Inicialmente publicado em um jornal, em 1911, o Triste Fim de Policarpo Quaresma é a obra mais conhecida de Lima Barreto. Ele é um escritor que, aliás, não recebeu o devido reconhecimento em sua época, sendo atualmente resgatado para ser mais estudado.
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O personagem principal desta obra é um patriota obcecado. O significado do nome Policarpo Quaresma já remete ao sofrimento, à dor e à abstinência. Tudo isso causado por uma devoção quase sagrada ao Brasil. No livro, Lima Barreto contará a história desse personagem que simboliza todo um contexto histórico do país.
Índice do conteúdo:
Personagens
- Policarpo Quaresma: também conhecido como Major Quaresma, é o personagem principal da obra. Todo o livro mostra como o nacionalismo ingênuo de Policarpo Quaresma vai ser testado na realidade social que ele encontra.
- Adelaide: irmã do personagem principal. Ela mora com ele e vai acompanhá-lo ao longo da história.
- Olga: afilhada de Policarpo Quaresma, inteligente e possui com o personagem principal uma relação de carinho mútuo.
- Armando Borges: marido de Olga, um homem típico ambiciosos e corrupto. Por isso, não é bem apreciado pela sua esposa.
- Felizardo: homem negro que trabalha como empregado no sítio comprado por Policarpo Quaresma.
- General Albernaz: vizinho do personagem principal, participará da preparação de uma festa “bem brasileira” com Policarpo Quaresma.
- Maria Rita: o General Albernaz e Policarpo Quaresma buscam ajuda desta mulher já idosa para conhecer cantigas populares brasileiras. Ela é uma mulher negra que era escravizada e vive em condição de pobreza.
- Ricardo Coração dos Outros: professor de violão de Policarpo Quaresma e se torna seu amigo. Ele é apreciado por Quaresma por tocar músicas populares.
- Doutor Campos: presidente da Câmara e tenta corromper o personagem principal, que nega o apelo. Assim, tornam-se inimigos.
- Vicente Coleoni: pai de Olga, é um imigrante italiano que é grato a Policarpo Quaresma por ter-lhe emprestado dinheiro em momento de dificuldade.
- Genelício: empregado do Tesouro, é um bajulador e é cheio de artimanhas para agradar aos chefes e subir de cargo.
- Marechal Floriano: presidente do Brasil de 1891 a 1894, sendo um dos personagens da história.
Resumo da obra
A história se passa na cidade de Rio de Janeiro, na época a capital do país. Policarpo Quaresma é um homem metódico. Ele é conhecido em seu bairro pelos seus hábitos diários, que nunca costumam ocorrer em horários diferentes. Ao mesmo tempo, ele é também muito apaixonado por tudo o que diz respeito ao Brasil: Major Quaresma é um nacionalista.
A trama ocorre no século XIX, e Policarpo Quaresma tem um desejo ardente em incentivar as pessoas a apreciarem uma cultura nacional puramente brasileira. Por isso, ele começou aulas de violão com Ricardo Coração dos Outros. Mais tarde, junto com o General Albernaz, decidiu produzir uma festa que resgatasse canções e danças tradicionais brasileiras.
Para cumprir a tarefa, foram atrás da Maria Rita, uma mulher velha que viveu escravizada antes da Abolição. Quaresma e Albernaz insistiram que ela cantasse alguma canção tradicional, mas ela não lembrava. Evidentemente, nenhum deles percebeu que, talvez, o pedido feito à velha mulher negra a fizesse lembrar de um passado doloroso e sensível em sua memória.
Frustrados, Quaresma e Albernaz encontraram um poeta que dizia conhecer várias canções tradicionais brasileiras. Mais tarde, o Major Quaresma acaba se frustrando novamente porque descobre que essas músicas eram na verdade estrangeiras. Ele queria “arranjar alguma cousa própria, original, uma criação da nossa terra e dos nossos ares.” – portanto, nada estrangeiro.
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Nessa obsessão de compartilhar com todos uma cultura genuinamente brasileira, Policarpo Quaresma propôs à Câmara um projeto que tornasse o tupi-guarani o idioma oficial do Brasil. Isso fez com que ele se tornasse um motivo de chacota nos jornais. No fim, o Major Policarpo Quaresma foi internado em um hospício por causa de suas ideias.
No hospital psiquiátrico, recebeu visitas apenas de sua afilhada, Olga, e Ricardo Coração dos Outros. Após o fim da sua internação, Policarpo Quaresma decide se mudar para um sítio afastado da cidade – e chamou-o de “Sítio do Sossego”. Apesar do sossego que pretendia, Quaresma ainda estava aflito: tentou plantar na terra de sua pátria amada que teria o solo mais fértil, mas descobriu que seria impossível algo dar fruto sem os adubos estrangeiros.
A nova vizinhança de Policarpo Quaresma chamou a atenção de Olga por causa da miséria. Mesmo com tanta terra para plantar, as pessoas eram pobres e o lugar tinha um clima triste. Um dos habitantes explicou que “Terra não é nossa… E ‘frumiga’?… Nós não ‘tem’ ferramenta… isso é bom para italiano ou ‘alamão’, que governo dá tudo… Governo não gosta de nós…”
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Um funcionário público, Antônio, advertiu Quaresma: “O senhor verá com o tempo, major. Na nossa terra não se vive senão de política, fora disso, babau!”. Logo mais tarde, o major recebeu uma oferta corrupta do presidente da Câmara, dr. Campos, e recusou. Assim, acabaram se tornando inimigos, criando mais uma razão de aflição para Policarpo Quaresma.
Desfecho
Frustrado com a vida afastada da cidade, Policarpo Quaresma decide retornar ao Rio de Janeiro quando soube da eclosão da Revolta da Armada. Os marinheiros se rebelaram contra o governo de Floriano Peixoto, e o Major Quaresma decidiu se voluntariar para defender o seu presidente.
Inicialmente corria tudo bem com o major. Ele havia escrito um projeto agrícola para o Brasil, que acabou sendo lido pelo próprio Floriano Peixoto. Na ocasião, o presidente elogiou o Quaresma como sendo um “visionário.”
Com a vitória do Exército, Quaresma foi posto no cargo de carcereiro. Entretanto, essa função nas prisões permitiu que o major testemunhasse as injustiças cometidas contra os prisioneiros. Os marinheiros rebeldes eram fuzilados, o que fez com que Policarpo Quaresma redigisse cartas e críticas endereçadas ao próprio Floriano Peixoto, a fim de mudar a situação.
Por maior que fosse a boa intenção e o sentimento de justiça pela sua pátria que Policarpo Quaresma tivesse, seu posicionamento foi visto como uma traição ao governo. Seu próprio ídolo, Floriano Peixoto, mandou fuzilar o major.
Análise da obra e contexto histórico
- Narrador: a história é narrada em terceira pessoa.
- Espaço: a trama ocorre na cidade do Rio de Janeiro, capital do Brasil na época. Foi também onde o livro fora publicado.
- Tempo: o livro foi publicado em 1915, mas os fatos históricos da obra tratam do período de mais de 20 anos atrás, no tempo da presidência de Floriano Peixoto (1891-1894).
- Foco narrativo: a narrativa enfoca a trajetória de Policarpo Quaresma, personagem principal da história.
- Fatores externos: o cenário histórico em que o autor posiciona a história é pós-Abolição, na Primeira República e já no governo do segundo presidente do Brasil, Floriano Peixoto.
Policarpo Quaresma representa o ufanismo nacionalista sobre a formação do Brasil enquanto uma nação. O objetivo do personagem, então, é afirmar o Brasil como um país independente, com uma cultura singular e original, um idioma próprio.
O Major Quaresma tenta insistentemente procurar esses elementos no Brasil. A história conta as frustrações do personagem nessa busca, como quando tenta plantar algo em sua terra e descobre que é necessário comprar adubos estrangeiros para ter sucesso no plantio.
No entanto, Quaresma se esquece das condições que o Brasil emergiu: seu passado colonial e seu estado de nação dependente. Conforme a análise do sociólogo Florestan Fernandes, a descolonização do Brasil nunca se tornou uma realidade concreta. As formas de sociabilização, as condições sociais em que as pessoas vivem e a dependência do Brasil em relação às nações dominantes nunca mudou.
Lima Barreto, autor do livro, deixa esse aspecto bastante evidente. Os brasileiros fora dos centros das cidades vivem na miséria, sem terra própria e sem condições de cultivá-la. As pessoas anteriormente escravizadas continuam em estado de pobreza, e as relações senhoriais continuam vivas entre as pessoas.
A população negra brasileira, que é a maioria no país, continuou, mesmo depois da Abolição da Escravidão, ocupando em geral serviços que não lhe garantia uma ascensão econômica. Apesar disso, Policarpo Quaresma muitas vezes naturaliza essa condição de miséria e apenas busca uma “cultura popular tradicional” como símbolo nacional, mas não questiona em que medida o Brasil é uma nação independente para todas as pessoas.
Falar de nação, de língua-mãe, de uma cultura genuína, pode fazer sentido em nações europeias dominantes. Países como o Brasil, com passado colonial, possui outros problemas que não podem ser ignorados. Policarpo Quaresma teve de enfrentar esses problemas quando procurou por uma nação independente e genuína no Brasil.
O próprio Lima Barreto teve de encarar, durante sua vida, muitas barreiras sociais. É verdade que o Brasil entrou em uma eclosão do capitalismo após a Abolição e a Primeira República, mas a sociedade não rompeu com concepções escravistas e autoritárias. Um exemplo desse autoritarismo é do próprio Floriano Peixoto, que manda fuzilar Policarpo Quaresma.
Ainda conforme Florestan Fernandes, a Abolição acabou significando uma “revolução de branco para branco.” Como criar, nessas condições, uma identidade nacional genuína? Lima Barreto consegue apontar para essas contradições em sua obra. Em suas ironias, o autor capta o caráter das relações sociais de sua época.
Na obra de Lima Barreto, esse nacionalismo ingênuo com a realidade concreta do Brasil acabou, assim, em um triste fim.
Entenda mais sobre a obra
É notória a importância literária, histórica e sociológica da obra de Lima Barreto, Triste Fim de Policarpo Quaresma. Além do resumo apresentado aqui, é possível conhecer outras abordagens sobre esse livro, bem como de seu autor. Listamos três vídeos que podem ajudar a você a começar a pesquisar a respeito.
Resumo animado da obra
Nessa animação audiovisual, o livro é resumido em menos de 3 minutos. Vale a pena revisar essa história, que já é cobrada em provas, vestibulares e avaliações.
Uma resenha do livro
Neste vídeo você encontra uma resenha de Triste Fim de Policarpo Quaresma e a visão da youtuber sobre o assunto. Você pode comparar o posicionamento dela com de outras pessoas falando sobre o livro.
Lima Barreto
Entender um pouco da vida do autor pode ajudar muito na compreensão de sua obra, especialmente se tratando deste livro e de Lima Barreto. Neste livro, Lilia Moritz Schwarcz, uma especialista sobre o autor, fala um pouco sobre ele.
O Triste Fim de Policarpo Quaresma é uma importante obra na literatura brasileira. Apesar de já ser cobrado em vestibulares e no currículo escolar, esse livro pode ser apreciado e pensado por qualquer pessoa interessada na temática.
Sobre o autor
Afonso Henrique de Lima Barreto nasceu em 13 de maio de 1881, falecendo em 1922, com apenas 41 anos de idade. Lima Barreto era insistente, e foi uma voz ativa a falar sobre a escravidão e o racismo em uma época que ninguém mais queria falar sobre isso – afinal, era um momento pós-Abolição.
O autor falou em sua época sobre corrupção, política e criticou a literatura de sua época. Hoje, ele é considerado um pré-modernista. Foi um crítico das falhas do sistema republicano e defensor dos direitos à cidadania.
Nesse sentido, Lima Barreto foi também uma voz solitária e descreditada por muitas pessoas. Sua primeira obra antes de Triste Fim foi duramente criticada pelos especialistas. Mesmo assim, o autor não deixou silenciar sua voz ativa.
Lima Barreto era neto de escravos. Sua mãe, Amália, faleceu ainda em sua infância de tuberculose. Seu Pai, João Henriques, sofria de surtos psicóticos há algum tempo. É possível, conforme alguns autores, ver em Policarpo Quaresma um reflexo do pai de Lima Barreto, que também era um nacionalista.
O autor teve complicações com o alcoolismo, motivo que o levou à morte em 1922. Como na época alcoolismo era associado a doenças mentais, foi internado em um hospício duas vezes. Nessas ocasiões, também escreveu sobre suas experiências de internação.
Atualmente, a obra de Lima Barreto continua relevante e passa a ganhar significados mais fortes, por exemplo, para movimentos identitários negros. Assim, é importante conhecê-lo e reconhecer a relevância dessa obra.
Referências
Triste Fim de Policarpo Quaresma – Lima Barreto
Lima Barreto: Triste Visionário – Lilia Moritz Schwarcz
O triste visionário: Lima Barreto e seu tempo – Caion Meneguello Natal
“Triste fim de Policarpo Quaresma”: uma interpretação do homem social – Maria Izabel Porto de Souza
Circuito fechado – Florestan Fernandes
Por Mateus Oka
Mestre em Antropologia Social pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Cientista social pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Realiza pesquisas na área da antropologia da ciência.
Oka, Mateus. Triste Fim de Policarpo Quaresma. Todo Estudo. Disponível em: https://www.todoestudo.com.br/literatura/triste-fim-de-policarpo-quaresma. Acesso em: 21 de November de 2024.
1. [UNIVEST]
Triste Fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto, é
a) a narrativa da vida e morte de um funcionário humilde conformado com a realidade social do seu tempo.
b) uma autobiografia em que a personagem-título expõe sua insatisfação com relação a burocracia carioca.
c) o relato das aventuras de um nacionalista ingênuo e fanático que lidera um grupo de oposição no início da República.
d) um livro de memórias em que o personagem-título, através de um artifício narrativo, conta as atribulações de sua vida até a hora da morte.
e) a história de um nacionalista fanático que, quixotescamente, tenta resolver sozinho os males sociais de seu tempo.
Resposta: E
Justificativa: Policarpo Quaresma é um solitário visionário que tenta propor planos e projetos para a nação que é alvo de suas paixões, o Brasil.
2. [UEM]
Assinale o que for correto sobre o romance Triste fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto, levando em consideração, também, o fragmento que segue. “Policarpo era patriota. Desde moço, aí pelos vinte anos, o amor da Pátria tomou-o todo inteiro. Não fora o amor comum, palrador e vazio; fora um sentimento sério, grave e absorvente. Nada de ambições políticas ou administrativas; o que Quaresma pensou, ou melhor: o que o patriotismo o fez pensar, foi num conhecimento inteiro do Brasil, levando-o a meditações sobre os seus recursos, para depois então apontar os remédios, as medidas progressivas, com pleno conhecimento de causa.” BARRETO, Lima. Triste fim de Policarpo Quaresma. 14. ed. São Paulo: Ática, 1995, p. 22.
Vocabulário
Palrador: que ou o que palra, falador, tagarela.
01) O romance é representativo do Romantismo, estilo de época caracterizado pela valorização da cor local, da paisagem, da gente brasileira, da sua capacidade de progredir e se desvencilhar política, espiritual, social e literariamente da influência de Portugal.
02) A ideologia que subjaz à escritura do romance pressupõe, da parte do autor, um nacionalismo crítico capaz de olhar o país por um viés lúcido, denunciando-lhe as mazelas sociais, sobretudo aquelas relacionadas aos interesses políticos travestidos de patriotismo.
04) O protagonista do romance é construído como um patriota ingênuo, capaz de acreditar que seria possível reformar o Brasil, a partir de aspectos que considera fundamentais, como a cultura, a agricultura e a política. Esses aspectos são correspondentes a empreitadas suas fadadas ao fracasso, já que erigidas sobre alicerces utópicos que não encontram referencial na realidade concreta e no interesse das autoridades, em cujas mãos está o poder.
08) O “triste fim” do protagonista, referido no título do romance, remete à ideia trágica que marca o malogro de seu projeto inicial: o de reformar o país. Em vez de levar adiante a defesa de seus valores nacionalistas, acaba corrompido pela ideologia dominante, aliando-se aos poderosos para obter vantagens e sair da penúria financeira.
16) O fragmento transcrito ilustra a concepção de linguagem literária adotada e defendida pelos escritores renovadores do período em que se insere o romance. Trata-se de uma linguagem simples, direta, objetiva, próxima ao falar cotidiano e/ou à linguagem característica do texto jornalístico.
Resposta: 22 (16+04+02)
Justificativa: O romance de Lima Barreto se enquadra como pré-modernista. Além disso, o personagem principal, Policarpo Quaresma, não se corrompe e nem tenta obter vantagens da classe dominante para benefícios financeiros. Trata-se, ao contrário, de uma crítica ao patriotismo que não é sensível à realidade social desigual, mantida pelos interesses da classe dominante. A primeira publicação da obra foi em 1911, em um jornal carioca.