No Slam, a rua é palco para a literatura marginal em uma batalha poética que celebra a palavra, a voz, o encontro e a escuta. A seguir, entenda a importância literária, social e cultural desse movimento.
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O que é Slam
Em 1886, em uma cidade no norte de Chicago, o poeta Mark Kelly Smith, em colaboração com outros artistas, buscava formas de decentralizar a poesia dos círculos acadêmicos. Foi assim que surgiu o Poetry Slam (popularizado apenas como Slam). A terminologia, também usada em batalhas de rap, torneios de beisebol, entre outras competições, é uma onomatopeia em inglês que imita o som de palmas.
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O ato de recitar poesia não nasceu ontem. Desde a antiguidade, a elite se reunia para ler seus poemas com linguagem rebuscada. O Slam renega a forma tradicional, abre espaço para grupos marginalizados, valoriza a vivência do sujeito e a oralidade. Como um lugar de pertencimento, as batalhas de poesia se espalharam pelo mundo.
No Brasil, o Slam chegou em 2008 com Roberta Estrela D’Alva, a precursora do movimento e idealizadora do ZAP! (Zona Autônoma da Palavra), o primeiro Slam brasileiro. Sempre preservando o espírito de comunidade, as competições são organizadas com base em algumas regras.
Regras do Slam
Na verdade, a competição é apenas uma fatia do Slam. Com data e horário marcado, a rivalidade ou as brigas não são bem-vindas à festança poética. Para que tudo aconteça de forma orgânica e haja unificação do movimento, as regras são necessárias, entretanto, não são estáticas e podem ser adaptadas de acordo com a realidade de cada grupo. Entre elas, estão:
- Autoria: todos os poemas precisam ser autorais;
- Performance: não é permitido o auxílio de recursos musicais, visuais ou o uso de adereços, pois o foco é a palavra e o corpo;
- Tempo: a batalha acontece em 3 rodadas eliminatórias. Para cada poema, o tempo limite é de três minutos, com um chorinho de dez segundos, depois disso, há penalidades na nota;
- Slammer: a apresentação do evento fica por conta do slammer, que precisa ser imparcial e não influenciar as notas dos jurados;
- Jurados: os críticos literários que fiquem nas academias. No Slam, todos podem ser jurados. No momento do evento, cinco pessoas da plateia são escolhidas;
- Pontuação: as notas são de 0 a 10. Cada poema recebe 5 notas, a mais baixa e a mais alta são cortadas.
Lugar de poesia não é só na escola. Se você tem poemas guardados na gaveta, que tal participar de uma batalha? Antes, conheça alguns Slams importantes para a cena da literatura marginal.
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Exemplos de Slam
Seja protagonista da sua própria história! Essa é uma das frases pronta que a mídia propaga para “vender” uma ideia que serve ao capitalismo. Quem pode protagonizar sua própria história? No Slam, a autorrepresentação não é somente para aqueles que têm poder aquisitivo. Mulheres, negros, a comunidade LGBTQIA+ e outros grupos marginalizados ganham voz e espaço, emergindo narrativas historicamente silenciadas.
O empoderamento é individual e coletivo. Em uma sociedade que ainda sufoca e esconde seus preconceitos, ter voz não significa ser escutado. Por isso, muitos Slams fazem recortes, batalhas com temas específicos, em busca de um lugar de pertencimento. Conheça alguns exemplos:
- Slam das Minas: o machismo é estruturalmente construído e, enquanto ele existir, é importante que haja espaços nos quais as mulheres falam e são escutadas. Por essa necessidade, em 2015, nasceu no Distrito Federal, e depois se espalhou pelo Brasil, o Slam das Minas. Somente mulheres podem competir.
- Slam do Corpo: uma iniciativa do grupo Corposinalizante. É o primeiro Slam da América Latina voltado para os surdos e ouvintes. Como ficou conhecido, um beijo entre línguas, a portuguesa e a Libras. A visibilidade e o ritmo se entrecruzam em uma expressão poética.
- Slam Interescolar: das ruas para as escolas, a batalha acontece entre estudantes. Uma ação que promove o acesso à cultura, incentiva a leitura e muda a vida de jovens da periferia. Em 2021, ganhou o prêmio Jabuti na categoria Inovação.
- Slam Marginália: fundado em 2018, esse Slam questiona os padrões cisgêneros e valoriza a arte marginal. Um espaço de acolhimento, voz e escuta para pessoas transexuais, não binárias, queer e gênero dissidente.
Expressão artística, espaço de formação, debate e celebração, no Slam, o encontro é poético, porém, também é político.
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Slam: literatura marginal e resistência
Em 1970, a poesia marginal estava nas mãos de jovens universitários, conhecidos como Geração Mimeógrafo, que abraçaram a linguagem coloquial e o humor em seus poemas. No Slam, essa forma marginal não cabe. Em 2001, com a publicação da revista Literatura Marginal – a Cultura da Periferia, organizada pelo poeta Ferréz, o termo foi ressignificado e está ligado à literatura que nasce nas periferias.
A reflexão sobre temas da atualidade, questões identitárias, política, dores existenciais e vivências são materializadas em forma de poesia. A coletividade é um dos pilares do Slam. O diálogo e a liberdade de expressão são inclusivas. Há representatividade, reconhecimento e grito de luta. No momento da batalha, estar presente e ser presença são ações que quebram um pouco com a solidão contemporânea.
É resistência contra todas as formas de opressão. E é reexistência para os poetas que se descobrem na palavra e pela palavra ressignificam suas existências. A comunicação das urgências não é só uma provocação, ela também desencadeia mudanças. A seguir, confira uma seleção de vídeos repleta de poesia!
Vídeos sobre Slam: a poesia em cena
A periferia está entrando na academia. Em 2018, Racionais se tornou leitura obrigatória no vestibular da Unicamp. Questões referentes ao Slam já foram cobradas no Enem, vestibulares e livros didáticos. Assista os vídeos abaixo e entenda a potência das batalhas poéticas.
Roberta Estrela D’Alva explica o que é Slam
Uma história contada em até 3 minutos. Nesse vídeo, uma das grandes vozes do Slam fala um pouquinho mais sobre o surgimento, as regras e a importância da liberdade de expressão. Assista e aprenda com quem realmente entende do assunto!
Menimelímetros: o poema que parou no vestibular
Luz Ribeiro é poeta e slammer. Em 2017, representou o Brasil na Copa do Mundo de Slam, na França. Conheça o poema Menimelímetros no qual a estética é trabalhada, com jogos de palavras e neologismos, em uma impactante denúncia social.
O amor é revolucionário
Lucas Afonso ganhou o Slam Br em 2015. Seus versos são crônicas de um Brasil contemporâneo. Além da denúncia social, o poeta também mostra que o amor é revolucionário. Nesse vídeo, prepare-se para ficar com o coração derretido.
A história apagada precisa ser contada
Não saber dar cambalhotas pode ser um grande problema. Entretanto, em A menina que nasceu sem cor, a poeta Midria provoca uma reflexão sobre o colorismo e as formas de racismo presentes na sociedade. Assista e entenda o real problema da questão.
A palavra em gesto
Edinho é um poeta surdo que também já participou do Slam Br. Em suas performances, a Libras é expressão poética. A palavra em gesto é como um tiro contra a ignorância, faz parar e pensar sobre os problemas de uma sociedade excludente.
Um vício poético
Rodriago Ciríaco é poeta, organizador do Slam Rachão Poético e educador. Nesse vídeo, a biqueira literária está armada e o produto é a poesia. Uma reflexão sobre a valorização do artista vivo. Confira!
Slam de curtinhas
Para fechar essa seleção incrível de poemas, confira uma edição especial de Slam de curtinhas, realizada pelo coletivo Pé Vermelho. Os poetas têm apenas 20 segundos para mandar o recado.
Seja com o microfone na mão ou assistindo na plateia, é impossível sair de um Slam do mesmo jeito que chegou. Vozes e visibilidade ganham palco, promovendo a arte do encontro, da escuta e do direito à literatura para todos. A verdade é que, às margens da sociedade, muitas pérolas literárias já nasceram. Conheça mais uma delas conferindo a matéria sobre Carolina Maria de Jesus, escritora negra e favelada.
Referências
Caros Amigos. Literatura Marginal: A Cultura da Periferia (2001) – Ferréz (org.)
Um microfone na mão e uma ideia na cabeça: o poetry slam entra em cena (2011) – Roberta Estrela D’Alva.
Slam: Voz de Levante (2019) – Roberta Estrela D’Alva.
Por Suélen Domingues
Domingues, Suélen. Slam. Todo Estudo. Disponível em: https://www.todoestudo.com.br/literatura/slam. Acesso em: 21 de November de 2024.
1. [ENEM - 2020]
Slam do Corpo é um encontro pensado para surdos e ouvintes, existente desde 2014, em São Paulo. Uma iniciativa pioneira do grupo Corposinalizante, criado em 2008. (Antes de seguirmos, vale a explicação: o termo slam vem do inglês e significa — numa nova acepção para o verbo geralmente utilizado para dizer “bater com força” — a “poesia falada nos ritmos das palavras e da cidade”). Nos saraus, o primeiro objetivo foi o de botar os poemas em Libras na roda, colocar os surdos para circular e entender esse encontro entre a poesia e a língua de sinais, compreender o encontro dessas duas línguas. Poemas de autoria própria, três minutos, um microfone. Sem figurino, nem adereços, nem acompanhamento musical. O que vale é modular a voz e o corpo, um trabalho artesanal de tornar a palavra “visível”, numa arena cujo objetivo maior é o de emocionar a plateia, tirar o público da passividade, seja pelo humor, horror, caos, doçura e outras tantas sensações.
NOVELLI. O. Poesia incorporada. Revista Continente, n. 189. set. 2016 (adaptado).
Na prática artística mencionada no texto, o corpo assume papel de destaque ao articular diferentes linguagens com o intuito de
A) imprimir ritmo e visibilidade à expressão poética.
B) redefinir o espaço de circulação da poesia urbana.
C) estimular produções autorais de usuários de Libras.
D) traduzir expressões verbais para a língua de sinais.
E) proporcionar performances estéticas de pessoas surdas.
Alternativa correta: A.
Justificativa: de acordo com o texto, um dos objetivos do Slam do Corpo é promover o encontro entre línguas, a portuguesa e a Libras, tornando, assim, a poesia visível no ritmo do corpo e da fala.
2. [UNICAMP - 2021]
Leia abaixo alguns excertos do poema Menimelímetros, de Luz Ribeiro, poeta do Slam das Minas de São Paulo. Esse poema foi apresentado performaticamente em alguns slams de que ela participou no Brasil.
os menino passam liso
pelos becos e vielas
os menino passam liso
pelos becos e vielas
os menino passam liso
pelos becos e vielas
você que fala em becos e vielas
sabe quantos centímetros cabem em um menino?
sabe de quantos metros ele despenca
quando uma bala perdida o encontra?
Sabe quantos nãos ele já perdeu a conta? (…)
esses menino tudo sem educação
que dão bom dia, abrem até o portão
tão tudo fora das grades escolares
nunca tiveram reforço – de ninguém
mas reforçam a força e a tática
do tráfico, mais um refém (…)
que esses meninos sem nem carinho
não tem carrinho no barbante
pensa que bonito se fosse peixinho fora d’água
a desbicar no céu
mas é réu na favela
lhe fizeram pensar voos altos
voa, voa, voa…aviãozinho
e os menino corre, corre, corre
faz seus corres, corres, corres (…)
“ceis” já pararam pra ouvir alguma vez os sonhos
dos meninos?
é tudo coisa de centímetros:
um pirulito, um picolé
um pai, uma mãe
um chinelo que lhe caiba nos pés
um aviso: quanto mais retinto o menino
mais fácil de ser extinto
seus centímetros não suportam 9 milímetros
porque esses meninos
esses meninos sentem metros
A) O título Menimelímetros é um neologismo que funde ao menos duas palavras. Quais são essas palavras? Transcreva os versos que sintetizam o título do poema.
B) Na terceira estrofe, há um jogo de palavras. Identifique esse jogo de palavras e explique a relação de causa e consequência estabelecida por ele.
Resposta A: Menimelímetros é um neologismo formado por aglutinação, isto é, as palavras menino e milímetros se fundem. Nos versos “um aviso: quanto mais retinto o menino / mais fácil de ser extinto”, é possível perceber uma síntese do título do poema. Milímetros além de ser uma unidade de medida, que faz referência as estreitas ruas percorridas pelos “menino”, também é a arma 9 milímetros utilizada para matá-los. Assim, o uso desse neologismo reforça e denuncia uma violência social, demonstrando que os “menino” e suas sentenças, socialmente, estão aglutinados.
Resposta B: Há um jogo de palavras, sonoro e semântico, nas palavras: reforço, reforçam e força. O reforço escolar ou o apoio institucional que não chegam para esses “menino” e, assim, reforçam a criminalidade, tornando-os reféns da força e da tática do tráfico. Nesse artifício literário, há uma crítica às políticas públicas que deveriam incentivar e promover o acesso à educação.