Metrificação

Decassílabos, redondilhas, alexandrinos: entenda o que é a metrificação, o estudo do metro e aprenda e como fazer a escansão de poemas, ou seja, como contar suas sílabas

Estudo da medida do verso, a metrificação é um elemento muito importante para a análise poética. Por meio da contagem de sílaba, é possível perceber a composição do poema, incluindo ritmo, melodia e outros recursos utilizados para criar o efeito desejado pelo poeta. Entenda o que é, como fazer a escansão e confira exemplos.

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O que é metrificação

Nas análises poéticas, chama-se de metro o número de sílabas poéticas, e de métrica, a medida do verso de um poema, portanto a metrificação é o estudo da medida do verso. Para metrificar um verso, é preciso escandi-lo, ou seja, contar suas sílabas.

A contagem silábica no poema é diferente da gramatical. O processo de escansão consiste em contar as sílabas dos versos até a última sílaba tônica e desconsiderar as que sobrarem, além de, em geral, agrupar as vogais em uma única sílaba. Isso ocorre porque a relação entre o metro e o ritmo é essencial para a composição estética do poema.

Originalmente, a poesia era cantada, então os versos precisavam ter um ritmo cativante, que embalava não só o recitante, como também os ouvintes. Pode-se definir rapidamente o ritmo como uma alternância de sonoridade entre sons mais fortes e sons mais fracos. Daí a importância de relacionar metro e ritmo para analisar um poema, isto é, cada metro (ou cada esquema silábico) terá um ou vários correspondentes rítmicos.

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Como fazer escansão

Para contar as sílabas poéticas de um verso, é preciso seguir três etapas básicas:

  • Contar até a última sílaba tônica do verso;
  • Em geral, ditongos contam como uma sílaba poética;
  • Via de regra, duas ou mais vogais se juntam e formam uma única sílaba poética.

Para facilitar no processo de escansão, você pode você pode separar as sílabas com barras (/) e circular a última sílaba tônica. Também ajuda ler o verso em voz alta durante a contagem.

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Observe este exemplo de escansão: Vou-/me em/bo/ra/ pra/ Pa/sár]gada. O verso possui 7 sílabas poéticas. Perceba que “me” e “em” se juntaram e formaram uma sílaba.

A escansão não é um processo complicado, entretanto há detalhes que precisam ser considerados, como os recursos de metrificação e a diferença entre sílaba gramatical e literária.

Sílaba gramatical x sílaba literária

Como já mencionado, a sílaba gramatical é diferente da literária. A primeira tem a ver com a divisão silábica que constitui a palavra, como constam em estado de dicionário, já a segunda se baseia nos sons. Isso ocorre porque a poesia está intimamente conectada ao ritmo. Assim, as sílabas literárias são compostas pelos recursos de metrificação explicados a seguir.

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Recursos da metrificação

A fim de conseguir o som, o ritmo e o metro almejados, o poeta utiliza figuras de linguagem e recursos da metrificação. É preciso entender que os recursos se dividem em interverbais (entre uma palavra e outra) e intraverbais (dentro da própria palavra).

Elisão

Recurso interverbal que provoca a supressão de uma vogal final átona quando ela é seguida da mesma vogal que compõe a próxima palavra. Ou seja, a vogal seguinte absorve a anterior. Exemplo: minh’alma.

Crase

Ocorre a contração de vogais iguais quando uma está no final de uma palavra e a outra inicia a palavra subsequente, portanto é interverbal. Essa contração funde as vogais, por exemplo: “toda a noite”, que se separa como “to/ da a/ noi]te”.

Hiato

O hiato é o oposto da elisão, ou seja, separa dois sons vocálicos, por exemplo: “paira no ar”, escandido “pai/ra /no/ ar“. Dentro da palavra, o hiato é a representação de dois sons vocálicos seguidos um do outro, mas em sílabas diferentes. Entre palavras, hiato é quando uma palavra termina com uma vogal átona e a outra palavra inicia também com uma átona, ocorrendo a junção da sílaba poética.

Sinérese

Recurso intraverbal, a sinérese ocorre quando duas vogais se juntam dentro de uma palavra e o hiato se torna uma sílaba, transformando, assim, essas duas vogais em ditongo. Por exemplo, é possível transformar a palavra “poesia” (po-e-si-a), em “poe-si-a”.

Diérese

Esse é um recurso intraverbal e acontece quando se separa um ditongo em duas sílabas. Desse modo, é possível separar a palavra “noite” (noi-te) em “no-i-te”.

Ectlipse

Interverbal, esse é o recurso que contrai a última vogal de uma palavra cuja última sílaba é nasal, o que provoca a perda da nasalidade para formar um ditongo com a vogal que inicia a palavra subsequente. Por exemplo, ao recitar o verso “com a espada perfurou o peito”, a pronúncia será “cua espada perfurou o peito”.

Outros recursos que valem ser mencionados são: aférese (que suprime a vogal no início da palavra, como em “stais”, caindo o “e”); apócope (supressão da vogal final da palavra, por exemplo em “val”, caindo o “e”); síncope (supressão da vogal no interior da palavra, como em “p’ra”); e, por fim, a sinalefa (junção de duas sílabas em uma única, por elisão, crase ou sinérese).

Classificação dos versos

Ao longo da história, existiram três grandes modelos para contar o metro: o modelo antigo/clássico, o medieval e o silábico (atual). Abaixo, confira as características de cada um.

Métrica Clássica

Na Antiguidade Clássica, as poesias grega e latina trabalhavam com a noção de sílabas breves e longas. O conjunto dessas sílabas, em diferentes combinações, chamava-se de . Existiam três pés mais conhecidos e propagados no mundo poético: o iambo (ou jambo), com uma sílaba breve seguida de uma longa (U—); o espondeu, com duas sílabas longas (— —) e o dáctilo com uma sílaba longa e duas breves (—UU).

Os pés formavam os versos, entre os mais famosos, o hexâmetro (seis pés) e o pentâmetro (cinco pés). Por fim, existiam o hexâmetro dactílico, em que o quinto pé era dáctilo, e o hexâmetro espondaico cujo quinto pé era espondeu.

Métrica Medieval

Embora a noção de pé tenha continuado, a quantidade não era mais aplicada às sílabas longas ou breves, mas, sim, às sílabas tônicas e átonas. Desse modo, passaram a existir outros modelos de pés, dentre os mais comuns, estão: troqueu (uma sílaba tônica e uma átona); jambo (uma sílaba átona e uma tônica); dáctilo (uma sílaba tônica e duas átonas) e anapesto (duas sílabas átonas e uma tônica).

Métrica silábica (atual)

Atualmente, conta-se o verso pelo número de sílabas poéticas (lembrando que a contagem para na última sílaba tônica) para encontrar sua classificação. Abaixo, conheça os modelos de versos:

Monossílabo

É o verso que possui uma única sílaba poética. Como no segundo verso da balada Gentil Sofia, de Bernardo Guimarães:

Seu amor, sua fé constante
An]te.

Dissílabo

Verso com duas sílabas poéticas. Como no exemplo d’A Valsa, de Casimiro de Abreu:

Na/ dan]ça.

Trissílabo

É o verso composto por três sílabas poéticas. Como no poema Trem de Ferro, de Manuel Bandeira:

Voa/ fu/ma]ça.

Tetrassílabo

É o verso com quatro sílabas poéticas. Como no poema Almanaque das Musas, de Caldas Barbosa:

Ou/ço al/to/ can]to.

Pentassílabo

Verso com cinco sílabas poéticas, também conhecido como redondilha menor, famoso no período do Trovadorismo. O sonhetilho Áporo, de Carlos Drummond de Andrade, é todo composto em versos pentassílabos:

Um/ in/se/to/ ca]va
ca/va/ sem/ a/lar]me
per/fu/ran/do a/ te]rra
sem/ a/char/ es/ca]pe.

Hexassílabo

Verso com seis sílabas poéticas, pode ser chamado de heroico quebrado. Observe um exemplo no poema Estrela da Manhã, de Manuel Bandeira:

Três/di/as/ e/ três/ noi]tes.

Heptassílabo

Famosa redondilha maior, esse verso possui sete sílabas poéticas. Assim como a redondilha menor, ele é conhecido por compor cantigas e canções populares. Observe um exemplo retirado da Cantiga de Enganar, de Carlos Drummond de Andrade:

O/ mun/do /não /va/le o/ mun]do
É/ som/ que/ pre/ce/de a/ ]sica.

Octossílabo

Composto por oito sílabas poéticas. Como ilustra o poema O bestiário ou Cortejo de Orfeu, de Guillaume Apollinaire:

Ad/mi/rem/ o/ po/der/ no/]vel.

Eneassílabo

Possui nove sílabas poéticas. Veja um exemplo retirado do poema A esposa, de Vinicius de Moraes:

Vem/ es/piar/ mi/nha i/mo/bi/li/da]de.

Decassílabo

Talvez um dos versos mais conhecidos, o decassílabo é composto por dez sílabas poéticas. Um soneto, por excelência, é escrito em decassílabo. Observe o exemplo retirado do poema A Máquina do Mundo, de Carlos Drummond de Andrade:

E/ co/mo eu/ pal/mi/lha/sse/ va/ga/men]te
u/ma es/tra/da/ de/ Mi/nas,/ pe/dre/go]sa,
e/ no/ fe/cho/ da/ tar/de um/ si/no/ rou]co.

A famosa epopeia Os Lusíadas de Camões, possui o mesmo metro. Vale ressaltar que os decassílabos podem ser heroicos (tônicas na 6ª e na 10ª sílabas poéticas), sáficos (tônicas na 4ª, 8ª e 10ª) e martelo (tônica na 3ª, 6ª e 10ª).

Hendecassílabos

Verso composto por onze sílabas poéticas. Observe o exemplo retirado da música Índia, da dupla Cascatinha e Inhana:

Ín/dia/ teus/ ca/be/los/ nos/ om/bros/ ca/í]dos.

Dodecassílabo

Muito apreciado na poesia francesa, o verso com doze sílabas poéticas tem uma variante chamada de verso Alexandrino. Entretanto, nem todo dodecassílabo é Alexandrino, que obrigatoriamente possui a 6ª e a 12ª sílabas tônicas. O poema Spleen, de Baudelaire, é escrito em Alexandrinos:

Do/ bu/fão/ fa/vo/ri/to a/ gro/tes/ca/ ba/la]da.

Já no poema Domínio Régio, de Jorge de Lima, há um exemplo de decassílabo que foge ao esquema rimático do verso Alexandrino. Observe:

Ins/pi/ra/do a/ pen/sar/ em/ teu/ per/fil/ di/vi]no.

Resta mencionar o Verso Bárbaro (com mais de doze sílabas poéticas) e o Verso Livre (aquele que não tem uma métrica padrão).

Exemplos de metrificação

Abaixo, veja como a metrificação, incluindo recursos, metro e escansão, é importante para a composição e análise de um poema:

I Jucam Pirama

Um poema muito conhecido da língua portuguesa, composto por Gonçalves Dias. Jucam Pirama possui várias métricas ao longo de suas dez partes.

No/ mei/o/ das/ ta/bas/ de a/me/nos/ ver/do]res,
Cer/ca/das/ de/ tron/cos/ — co/ber/tos/ de/ flo]res,
Al/tei/am/-se os/ te/tos/ d’al/ti/va/ na/ção],
São/ mui/tos/ seus/ fi/lhos/, nos/ â/ni/mos/ for]tes,
Te//veis/ na/ gue/rra,/ que em/ den/sas/ co/or]tes
A/ssom/bram/ das/ ma/tas/ a i/men/sa ex/ten/são].

Essa primeira estrofe, do primeiro canto, é composta por versos Hendecassílabos, ou seja, de onze sílabas poéticas. Embora essa métrica não seja muito comum, é importante perceber como o ritmo é dado justamente pelo fato de as sílabas tônicas estarem marcadas sempre na 2ª, 5ª, 8ª e 10ª posição, formando um movimento próprio no verso, que lembra uma marcha e guerreiros cantando.

Como explicado, o ritmo é a alteração entre sons fortes e fracos, relação essa que está extremamente marcada nesse poema, sobretudo pelo emprego de fonemas oblíquos ([t], [g], [d], [k], e vogais tônicas, provocando sons fortes. Essa estrutura métrica e rítmica contribui para a construção semântica do poema.

No poema, o Eu lírico conta a história do guerreiro tupi que, fugindo da destruição da costa, acaba prisioneiro da tribo antropófaga dos Timbiras. O guerreiro precisa, então, cantar suas aventuras para que os rivais tenham mais prazer ao devorar sua carne. É por isso que todo o poema soa como uma canção de guerra e tem o ritmo das marchas, quase como se um tambor acompanhasse a leitura. Forma e conteúdo, em matéria de poesia, são indissociáveis.

Versos íntimos

Um soneto lindíssimo de Augustos dos Anjos, escrito em decassílabo. Abaixo veja a escansão de uma estrofe do poema Versos íntimos:

To/ma um/ fós/fo/ro. A/cen/de/ teu/ ci/ga]rro!
O/ bei/jo, a/mi/go, é a/ vés/pe/ra/ do es/ca]rro,
A/ mão/ que a/fa/ga é a/ mes/ma/ que a/pe/dre]ja.

O decassílabo é um verso denso, a escolha de fonemas fricativos, [f] e [v], e vibrantes [r], ajuda a mostrar o pessimismo do Eu lírico diante da vida que vai escorrendo e se esvaindo. A própria escolha lexical sugere que a morte é o ponto de chegada do qual não adianta tentar escapar.

Gostou de aprender sobre o tema? Poesia é fascinante! Há vários movimentos mais modernos e contemporâneos que subverteram o metro dos versos clássicos, bem como os tradicionais esquemas rimáticos. Conheça as expressões da Poesia visual.

Referências

Novíssima gramática da língua portuguesa (2005) – Domingos Paschoal Cegalla
O estudo Analítico do poema (1976) – Antonio Candido
Introduction à l’analyse du poème (2005) – Gérard Dessons
Versos, sons, ritmos (2000) – Norma Goldstein

Marilia Duka
Por Marilia Duka

Graduada em Filosofia pela Universidade Estadual de Maringá em 2016. Graduada em Letras Português/Francês na Universidade Estadual de Maringá em 2022.

Como referenciar este conteúdo

Duka, Marilia. Metrificação. Todo Estudo. Disponível em: https://www.todoestudo.com.br/literatura/metrificacao. Acesso em: 21 de November de 2024.

Exercícios resolvidos

1. [VUNESP 2016]

A questão aborda um poema do português Eugênio de Castro (1869-1944).

MÃOS

Mãos de veludo, mãos de mártir e de santa,

o vosso gesto é como um balouçar de palma;

o vosso gesto chora, o vosso gesto geme, o vosso gesto canta!

Mãos de veludo, mãos de mártir e de santa,

rolas à volta da negra torre da minh’alma.

Pálidas mãos, que sois como dois lírios doentes,

Caridosas Irmãs do hospício da minh’alma,

O vosso gesto é como um balouçar de palma,

Pálidas mãos, que sois como dois lírios doentes…
Mãos afiladas, mãos de insigne formosura,

Mãos de pérola, mãos cor de velho marfim,

Sois dois lenços, ao longe, acenando por mim,

Duas velas à flor duma baía escura.

Mimo de carne, mãos magrinhas e graciosas,

Dos meus sonhos de amor, quentes e brandos ninhos,

Divinas mãos que me heis coroado de espinhos,

Mas que depois me haveis coroado de rosas!

Afilhadas do luar, mãos de rainha,

Mãos que sois um perpétuo amanhecer,

Alegrai, como dois netinhos, o viver

Da minha alma, velha avó entrevadinha.

(Obras poéticas, 1968.)

Verifica-se certa liberdade métrica na construção do poema. Na primeira estrofe, tal liberdade comprova-se pela:
a) Construção do hendecassílabo fora dos rígidos modelos clássicos.

b) Variedade do verso decassílabo e do verso alexandrino.

c) Presença de um verso com número menor de sílabas que os alexandrinos.

d) Desobediência aos padrões de pontuação tradicionais do decassílabo.

e) Presença de dois versos com número maior de sílabas que os alexandrinos.

Alternativa correta: E.

Justificativa: como explicado, os versos com mais de doze sílabas são chamados de bárbaros e, quando não há um padrão na composição do poema, são chamados de versos livres.

2. [VUNESP 2013]

qconcursos

Embora pareça constituído de versos livres modernistas, o poema em questão ainda segue a versificação medida, combinando versos de diferentes extensões, com predomínio dos de doze e dez sílabas métricas. Assinale a alternativa que indica, na primeira estrofe, pela ordem em que surgem, os versos de dez sílabas métricas, denominados decassílabos.
Alternativas
A) 1 e 5.
B) 3 e 4
C) 1, 2 e 3.
D) 2 e 3.
E) 1, 3 e 5.

Alternativa correta: A.

Justificativa: o primeiro e o quinto verso da primeira estrofe são decassílabos.

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