Conforme a definição do Dicionário Aurélio, tirania é “qualquer governo instituído à margem da legalidade, de caráter opressor e cruel”. Mas será que esse conceito permaneceu o mesmo ao longo da história? Entenda mais a seguir!
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O que é tirania
A palavra “tirania” origina-se do termo grego týrannos, que significa ilegitimidade (poder legítimo). Como o significado histórico do conceito revela, a tirania é um tipo de governo autoritário no qual o governante ascendeu ao poder e mantém este por vias ilegítimas. Historicamente, o termo data o período arcaico grego entre os séculos VIII a.C. e VI a.C.
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Desde a Antiguidade, é possível identificar a tirania por meio dos governos ilegítimos, principalmente através dos seus governantes. Com o passar dos séculos, o termo passou a ser associado a práticas autoritárias, opressoras e abusivas para determinados grupos sociais e às leis existentes. Em linhas gerais essa forma de governo pode ser compreendida através de algumas características peculiares. Veja:
- Anulação dos direitos e liberdades individuais: Todo governo tirânico busca anular os direitos e liberdades constitucionais ou fundamentais numa sociedade; sejam eles os direitos civis ou políticos de um grupo de indivíduos.
- Uso dos mecanismos de controle: Como forma de garantir a anulação dos direitos individuais, o governo tirânico se assegura do uso da força como forma de garantir o controle e a ordem social. Portanto, há várias ações que visam oprimir o povo.
- abuso de poder: Se caracteriza pelo uso ilegítimo de poder público a fim de silenciar os grupos sociais oposicionistas.
- Uso do terror: Geralmente os líderes tirânicos tomam o poder de forma ilegítima e violenta e se colocam como únicas soluções para combater as mazelas sociais. Os governos tirânicos criam uma narrativa de terror na sociedade, fazendo surgir a necessidade coletiva de expurgar não somente as mazelas, mas aqueles considerados “inimigos” da sociedade.
- Ameaça: Para os líderes tirânicos, a ameaça é um dos mecanismos utilizados para subjugar todos aqueles que levantam críticas ou vão de encontro com o governo tirânico. O controle coletivo é a maior finalidade dessa forma de governo.
Para os líderes tirânicos não basta apenas tomar o poder de forma ilegítima, é necessário manter o poder, mesmo que isso signifique romper com os direitos e liberdades individuais, usar mecanismos de força e opressão ou colocar-se acima da lei constituída e reconhecida socialmente.
Tirania grega
O termo tirania surge no período arcaico da Grécia Antiga, entre os séculos VIII e VI a.C. e remetia diretamente à ilegitimidade de um líder. A Era Arcaica foi marcada por uma inúmeros conflitos sociais e políticos, além de ter testemunhado um amplo desenvolvimento social e cultural. Foi nesse arco temporal que surgiram as cidades-estados (pólis) gregas.
A tirania encontra o seu sentido de existir nesse contexto, visto que as pólis gregas enfrentaram disputas constantes, tanto de natureza interna, quando os próprios indivíduos entravam em conflitos pelo poder; como externa, com as guerras e tensões militares. Foi diante dessas crises de ordem social que muitos indivíduos influentes nas pólis ascendiam de forma ilegítima ao poder.
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Os pensadores gregos Aristóteles e Platão foram referenciais para se compreender a tirania grega e tal como as ditaduras modernas, a tirana nascia das crises e da desagregação de um regime político tradicional ou de uma democracia, no qual se originavam a ampliação dos interesses e da participação política.
Segundo o historiador e filósofo político Noberto Bobbio, é possível observar semelhanças entre os tirânicos gregos e os ditadores modernos. O tirano grego não era um monarca legítimo, mas sim o chefe de uma facção política, que impunha a força o próprio poder a todos os outros.
Por fim, na tirania grega os tiranos exercia um comando arbitrário e ilimitado, contando constantemente com instrumentos violentos. Mas com o passar do tempo, o conceito modificou-se, distanciando-se em parte do seu sentido original. O termo passou a ser mais associado à forma de exercer o poder.
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Tirania em Atenas
Atenas não ficou de fora do fenômeno da tirania. Conforme observa o filósofo grego Aristóteles, um dos primeiros tiranos existentes em Atenas foi Pisístrato, considerado um grande reformador político. Foi considerado um tirano na definição clássica de tirania, isto é, por ter tomado o poder por vias ilegítimas, mas que mesmo assim seguia as leis estabelecida na pólis ateniense.
Mas a tirania em Atenas não deve ser vista imediatamente com um aspecto negativo, visto que muitos tiranos gregos atuaram de maneira positiva para parte da população ateniense, cooperando para o desenvolvimento e reforma de algumas cidades-estado.
Após a morte do Písistrato, seus filhos, Hípias e Hiparco, assumiram o poder, dando continuidade às ações tomadas pelo governo do pai. Nesse período, a aristocracia se voltou em oposição à tirania continuada, tendo em vista que muitos dos privilégios pertencentes aos aristocratas atenienses foram perdidos. Esse momento teve como ápice a morte de Hiparco por um dos aristocratas, Iságoras, em 514 a.C.
Mas a tirania é um conceito que se ressignifica com o passar do tempo, e deixa de se limitar ao aspecto meramente ilegítimo cultivado na sociedade grega.
Governos tiranos
Ao longo da história, foram muitas as expressões de tirania exercida por líderes tirânicos. Um dos momentos mais expressivos desse fenômeno foram os governos tirânicos e autoritários do século XX, que se utilizaram do medo e do terror para dominar a sociedade. Veja alguns deles:
Nazismo
O nazismo foi uma ideologia fruto do regime nacional-socialista alemão que se consolidou enquanto regime entre os anos 1933 e perdurou até 1945. Esse movimento político e social se originou na Alemanha após a Primeira Guerra Mundial. Após a sua ascensão, o regime teve como característica a supressão e condenação de todas as forças e instituições políticas, sociais e culturais. Além de tirânico, o nazismo foi um regime totalitário de partido único e liderado por um único líder, Adolf Hitler. Este nomeou a si mesmo como chefe do Estado, líder do partido e da nação. Mas foi apenas nos anos seguintes, que o Nazismo consolidou suas premissas ideológicas, especialmente com ações e políticas expansionistas, racistas e antissemitas.
Fascismo
Por mais que o Fascismo propriamente dito tenha sido “criado” por Benito Mussolini em Março de 1919, não se pode compreendê-lo como único exemplo. Em linhas gerais, pode se observar algumas características desse regime que persistem até os dias atuais, sendo elas: o regime totalitário de partido único, o coletivismo nacionalista, o intervencionismo político e econômico, a presença de um Estado protecionista e autárquico, a necessidade de defesa dos valores, tradições e uma moral mediante a uma modernidade considerada “individualista” e “racionalista”, o desprezo aos valores liberais, a romantização do passado, a personificação do Estado, o culto ao líder carismático, a criação de um “terror” ou uma espécie de inimigo da pátria, principalmente por meio da propaganda, o uso da violência e do terror e o desejo de expansão imperialista
Stalinismo
O stalinismo é definido historicamente como o período em que o poder comunista se consolida na União Soviética (URSS) sob a gestão do partido comunista, que tinha a frente dessa gestão, o líder tirânico Josef Stalin. Esse período também é entendido pelos historiadores pela expressão “socialismo num só país”, isso porque houve diversas mudanças na política interna e externa da URSS. Como característica desse regime, pode-se apontar: o culto à personalidade, o emprego do terror, o abuso do poder, a utilização da ameaça como mecanismo de força e opressão da oposição, uso da propaganda de modo a mobilizar as massas, dentre outros aspectos. O período foi tão sombrio que até hoje é conhecido como o “Grande Terror“.
Apesar das manifestações tirânicas existentes no século XX, elas não se limitaram ao espaço geográfico, pois outros lugares do mundo também presenciaram essas expressões políticas em seus contextos históricos.
Tirania no Brasil
Apesar da Europa ter sido o centro de muitos regimes tirânicos, o Brasil também pode ser considerado como um país que presenciou muitas ilegitimidade no campo político. Um dos primeiros governos tiranos do país encontra-se na gênese do golpe da república, tendo em vista que os militares, por meio de Deodoro da Fonseca, tomara o poder depondo o então imperador Dom Pedro II e a família real sem o reconhecimento e apoio de grande parte da população. Observando esse momento pela via da ilegitimidade, o golpe da república se configura como uma expressão máxima de tirania.
Outro momento histórico no Brasil marcado pela tirania foi o ano de 1937, conhecido por “Estado Novo”, tendo como líder político o presidente Getúlio Vargas. Essa fase política vivenciada na era Vargas foi fortemente ditatorial, tendo em vista que o presidente outorgou uma nova Constituição e decretou o fechamento do Congresso e das instituições democráticas e representativas. Esse momento também foi marcado pela centralização do poder político nas mãos do presidente, somado à implementação da censura à impressa e o uso da propaganda como mecanismo de controle social.
Por fim, foi no de 1964 que o Brasil presenciou mais uma forma de regime tirânico. Em 31 de Março de 64, os militares derrubaram o presidente João Goulart (Jango), eleito pela maioria da população democraticamente. Esse ato inaugurou a Ditadura civil-militar brasileira. Esse período histórico foi caracterizado por diversas fases e todas elas foram governadas por meio dos atos institucionais (AI). Em suma, cada ato instituído, além de anular a soberania e legalidade da Constituição, decretou o fim das eleições diretas, o fechamento dos partidos políticos, o bipartidarismo, a caçassão de representantes políticos, a censura à oposição, o fim dos direitos políticos de determinados grupos sociais, dentre outros aspectos. Um período marcado não só devido a ausência de democracia, mas pelo uso abusivo do poder.
Vídeos sobre as raízes da Tirania
De modo a analisar um pouco mais o tema aqui estudado, confira abaixo alguns vídeos complementares que fazem bons resumos sobre o assunto:
O que é tirania?
Neste vídeo, o canal “Vem fazer História” apresenta de forma séria e didática o conceito de tirania e expõe também alguns exemplos de governos tirânicos ao longo da própria história.
O que diferencia a democracia e a tirania?
Ambos os termos e formas de governo nascem na Grécia antiga, mas o que os diferenciam? Nesse vídeo, o doutor em filosofia Eduardo Wolf faz uma linha do tempo desde a Grécia Antiga para explicar as mudanças que os termos sofreram conforme as transformações sociais.
É possível destruir uma tirania?
Em que situações é legítimo que o Estado ou a sociedade civil usem a força? Nesse vídeo, o jornalista e escritor brasileiro reflete maneiras de como uma sociedade deve se ver diante de uma tirania.
É necessário observar a tirania além de um conceito, pois as características tornaram-se real em muitos momentos históricos, gerando outros fenômenos políticos e sociais. Para conhecer mais sobre eles, clique e estude mais sobre o militarismo e bom estudo!
Referências
Dicionário de Política (1998) — Noberto Bobbio
Sobre o autoritarismo brasileiro (2019) — Lilia Schwarcz
Por Thiago Abercio
Historiador e mentor educacional formado pela Universidade Federal de Pernambuco. Professor de História e de Repertório cultural e Ideias, redator e analista de conteúdo. Atualmente realiza pesquisas na área de História da arte e das mentalidades.
Abercio, Thiago. Tirania. Todo Estudo. Disponível em: https://www.todoestudo.com.br/sociologia/tirania. Acesso em: 21 de November de 2024.
1. [UECE]
A Enciclopédia, organizada por Jean d’Alembert e Denis Diderot, obra central do Iluminismo do século XVIII, no verbete Tirania, de autoria de Louis de Jaucourt, afirma: “Tirania é todo governo injustamente exercido sem o freio da lei”. Adiante, afirma que “ninguém, seja quem for, tem direito por natureza” a exercer o poder tirânico, ou seja, sem os freios da lei. Disso, afirma não acreditar “que alguma vez tenha existido um povo que tenha sido tão bárbaro e tão imbecil a ponto de se submeter à tirania por meio de um contrato”.
Jaucourt, Louis de. Tirania. In: D’Alembert, Jean; Diderot, Denis. Enciclopédia, vol. 4. Trad. bras. Maria das Graças de Souza et al. São Paulo: Editora Unesp, 2015.
Considerando a informação contida no trecho acima, é correto concluir que
Alternativas
A) toda forma de governo é tirânica, segundo a lei de natureza.
B) um governo que governa sem leis é harmônico com a Suprema Corte.
C) a legalidade dos atos de governo é contra a lei de natureza.
D) o governante que age sem o controle das leis é um tirano.
D) o governante que age sem o controle das leis é um tirano.
Conforme no texto mencionado, a lei é a maior base de orientação politica de uma sociedade. Passar por cima dos “freios da lei” é a maior expressão de tirania.
2. [ENEM]
Os regimes totalitários da primeira metade do século XX apoiaram-se fortemente na mobilização da juventude em torno da defesa de ideias grandiosas para o futuro da nação. Nesses projetos, os jovens deveriam entender que só havia uma pessoa digna de ser amada e obedecida, que era o líder. Tais movimentos sociais juvenis contribuíram para a implantação e a sustentação do nazismo, na Alemanha, e do fascismo, na Itália, Espanha e Portugal.
A atuação desses movimentos juvenis caracterizava-se:
a) pelo sectarismo e pela forma violenta e radical com que enfrentavam os opositores ao regime.
b) pelas propostas de conscientização da população acerca dos seus direitos como cidadãos.
c) pela promoção de um modo de vida saudável, que mostrava os jovens como exemplos a seguir.
d) pelo diálogo, ao organizar debates que opunham jovens idealistas e velhas lideranças conservadoras.
e) pelos métodos políticos populistas e pela organização de comícios multitudinários.
a) pelo sectarismo e pela forma violenta e radical com que enfrentavam os opositores ao regime.
A utilização dos jovens era visto com bons olhos pelos regimes totalitários tirânicos, tanto por ser proveitoso a formação ideológica desse grupos como pelo vigor que os jovens apresentavam no contexto de “terror” criado por esses regimes