A Escolástica foi uma vertente da filosofia medieval, além de um método de estudo crítico de obras filosóficas, que iniciou no século IX e terminou com o surgimento da Renascença. Seu principal representante foi Tomás de Aquino. Conheça as características mais importantes e alguns filósofos desse movimento.
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O que é a Escolástica
A Escolástica é uma das vertentes da filosofia medieval. Ela surgiu na Europa no século IX, e teve seu fim no século XVI, com o surgimento do Renascimento. Derivada do latim scholasticus, Escolástica significa aquele que pertence a uma escola. Como método de pensamento crítico, ela influenciou as áreas do conhecimento das Universidades Medievais. Santo Anselmo é considerado por muitos o seu criador e São Tomás de Aquino é o nome mais importante desse movimento.
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O método escolástico consistia na leitura crítica de obras e documentos selecionados, com um estudo detalhado e comparativo dos argumentos propostos e de suas respectivas consequências. A partir da comparação, eram produzidas as sententiae, isto é, pequenas sentenças em que se descreviam as discordâncias entre fontes diversas sobre o mesmo tema. Essas setentiae também podiam trazer citações dos textos originais, para efeito de comparação, comentário e crítica. Enfim, a Escolástica foi a vertente que deu origem às Universidades.
Características
Como toda corrente filosófica, a Escolástica contava com características determinantes. A seguir, conheça algumas:
- Harmonia entre fé e razão: a grande proposta da filosofia escolástica era fundamentar a fé por meio da razão;
- Valorização do conhecimento científico: os filósofos escolásticos priorizavam o conhecimento científico, sobretudo o método científico defendido por Aristóteles;
- Divisão do ensino: o estudo era dividido em Trivium (estudo da Gramática, Lógica e Retórica) e Quadrivium (estudo da Música, Aritmética, Geometria e Astronomia);
- Questões disputadas: era comum que os alunos debatessem temas em voga; normalmente apresentava-se uma pergunta sobre um tema a ser abordado, fazia-se as argumentações e as considerações e dava-se uma solução ao problema.
Além dessas características, um dos grandes debates revisitado pela Escolástica foi a questão dos conceitos universais e seu estatuto ontológico (ou seja, aquilo que diz respeito à natureza desses conceitos).
A questão dos universais
Embora a questão dos universais seja anterior à Escolástica, um dos grandes debates dessa corrente ficou conhecido como “A querela dos Universais”. A discussão envolvia a possibilidade da existência de uma ideia universal, ou ainda, a pergunta: os conceitos universais existem e conceituam algo ou são apenas nomes, palavras?
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A questão dividiu os filósofos em dois grupos: realistas e nominalistas. Por um lado, os realistas defendiam que os universais continham, em si, as características dos seres e, portanto, eram entidades metafísicas. Por outro lado, os nominalistas defendiam a ideia de que os universais eram apenas nomes utilizados para denominar as coisas no mundo e não possuíam, então, nenhum caráter ontológico (relativos ao ser).
Fases da escolástica
Essa vertente filosófica, por ser um movimento que perpassou séculos, possui três fases:
- Primeira fase: os filósofos dessa fase defendem que existe uma completa harmonia entre fé e razão. Sobretudo pela influência da filosofia Patrística, acreditava-se que era possível pensar em uma fé racional ou, ainda, depreender os elementos da fé por processos lógico-racionais. O principal pensador dessa fase é Santo Anselmo.
- Segunda fase: nessa fase, é retomada a ideia de sistema filosófico baseado na Antiguidade Clássica, assim como na nascente Ciência e nos princípios da Teologia Cristã. O grande nome dessa fase é Tomás de Aquino, discípulo de Alberto Magno.
- Terceira fase: essa fase marca a decadência da Escolástica. Em um primeiro momento, a Igreja se tornou cada vez mais rígida e controladora acerca dos pensamentos filosóficos e culturais. Já no fim do movimento, a Renascença trouxe novas visões de mundo. Um dos filósofos mais importantes dessa fase é Guilherme de Ockham.
Essas fases nada mais são do que o movimento natural de uma tendência (seja ela filosófica, cultural ou política). A primeira fase, normalmente, traz mais resquícios dos movimentos anteriores, a segunda fase costuma apresentar um caráter mais independente e o terceiro momento é, geralmente, a retomada de algumas questões para possíveis críticas e anúncios de um novo modo de pensar.
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Filósofos da Escolástica
A Escolástica foi uma vertente filosófica que durou muito tempo e, por isso, possui inúmeros filósofos. Confira, a seguir, os cinco mais importantes desse longo período.
Anselmo de Cantuária (1033-1109)
Santo Anselmo é um filósofo italiano conhecido como o fundador da Escolástica. Ele ficou famoso por ser o criador do “Argumento ontológico para a existência de Deus”. Anselmo se tornou acerbispo da Cantuária durante o governo de Guilherme II na Inglaterra, porém, devido aos diversos conflitos com o rei, o filósofo foi exilado. No reinado de Henrique I, Anselmo também foi exilado por causa de divergências com o rei. Ele foi canonizado em 1720 pelo papa Clemente XI.
O argumento ontológico da existência de Deus é um exercício filosófico proposto por Anselmo. Esse consiste em uma suposta conversa entre o filósofo e um louco que nega a existência de Deus. O argumento parte da premissa de que é impossível pensar em algo maior do que Deus. Então, Anselmo pergunta ao louco se esse ser (Deus) existe em sua mente. O louco responde que Deus existe na mente dele, mas não na realidade. Em seguida, o filósofo argumenta que aquilo que existe na realidade e na mente é algo maior do que aquilo que só existe na mente (ou seja, o objeto na realidade é maior do que o objeto somente pensado).
A partir dessas perguntas, Anselmo encaminha para o final do argumento e faz a constatação fundamental: se “um ser do qual não é possível pensar nada maior” só existe na mente do louco, então, ele é menor do que se existisse na realidade. O louco é obrigado a concordar com a proposição. Nesse ponto, Anselmo questiona se o louco está afirmando que existe algo maior do que “o ser do qual não é possível pensar nada maior”. Para que não caia em contradição, o único modo é aceitar a existência de Deus tanto na realidade quanto no pensamento.
Pedro Abelardo (1079-1142)
Abelardo foi um filósofo francês do período da Escolástica. Ele formulou o conceitualismo, uma terceira posição para a querela dos universais. Segundo os conceitualistas, os universais eram apenas conteúdo da mente.
A “Dialética”, sua grande obra de Lógica, foi a mais influente até o século XIII em Roma, sendo, inclusive, usada em materiais escolares, pois Lógica fazia parte do trivium. Para Abelardo, a dialética é o único modo de quebrar preconceitos e desenvolver um pensamento livre rumo à verdade. Segundo ele, tudo e todos, exceto as Escrituras, são passíveis de erro, até mesmo os padres e os apóstolos.
Alberto Magno (1196-1280)
Alberto Magno foi um filósofo e teólogo alemão. Fortemente influenciado por Aristóteles, seus trabalhos tratavam sobre filosofia, ciência da natureza, astrologia e alquimia. O pensador leu, interpretou e sistematizou quase toda a obra de Aristóteles, por meio de seus estudos de traduções latinas e de anotações de comentaristas árabes, como Averróis e Avicena, seguindo a ótica da doutrina da Igreja Católica.
Alberto demonstrou que a Igreja Católica não era contrária ao estudo da natureza e à ciência, no entanto, deixou de publicar muitos de seus estudos por acreditar que poderiam ser temas controversos para sua época.
Tomás de Aquino (1225-1274)
O grande filósofo desse período, nascido em Nápoles, Tomás de Aquino é conhecido como o Príncipe da Escolástica. Ele foi responsável por sistematizar os elementos do cristianismo e fundamentá-los na filosofia aristotélica. Foi discípulo de Alberto Magno, tratou de diversos temas e participou de muitos debates da época (quaestio disputata).
Uma das grandes contribuições de Tomás de Aquino, canonizado em 1323 pelo papa João XXII, foi a valorização do intelecto humano e sua capacidade de alcançar a verdade, mesmo com questões relativas à religião. Sua grande obra é a “Suma Teológica”, e um dos seus estudos mais importantes é conhecido como “As cinco vias que provam a existência de Deus” ou simplesmente as cinco vias tomistas:
- Motor
- Primeira causa (causa eficiente)
- Seres necessários e seres possíveis
- Graus de perfeição
- Governo supremo
Em todo o Universo há movimento. Aristóteles propunha que, para cada movimento, existe um motor. Um movimento é gerado por um motor, que é gerado por outro motor, e esse processo seria ad infinitum. Por isso é preciso pensar em um motor imóvel, responsável por movimentar todo o resto. Para Aquino, esse motor é Deus.
Ao pensar na relação de causalidade (toda causa produz um efeito) e no movimento do motor imóvel, é preciso pensar que também houve uma primeira causa para tudo. Para Tomás de Aquino, essa causa é Deus.
Essa via está relacionada aos seres existentes. Existe um ser que é necessário porque não foi criado, ele simplesmente é (Deus). Já os demais seres não são necessários, podem ou não existir, e dependem da ação do ser necessário para existir.
Pelo fato de existirem seres diferentes, existe também uma hierarquia que determina aqueles que são mais perfeitos e os que são menos perfeitos. Nessa hierarquia, o grau máximo de perfeição é Deus.
A quinta e última via diz respeito à questão da ordem e da finalidade. A suprema inteligência governa todas as coisas, haja vista que o mundo é ordenado. Essa inteligência (Deus) dispõe o mundo de forma organizada e racional, fato que dá o motivo de existência de cada ser.
Guilherme de Ockham (1285-1347)
Guilherme de Ockham foi um filósofo, teólogo e lógico inglês. Ele foi importante para o desenvolvimento das ideias constitucionais ocidentais, sobretudo, a ideia de governo com responsabilidade limitada. Ockham foi um dos primeiros pensadores medievais que defendeu uma separação entre Igreja e Estado. Além disso, ele foi importante para as noções que se desdobrariam nos direitos de propriedade.
Outro conceito conhecido do filósofo é o Princípio de Ockham. Segundo o que escreveu na sua obra Ordinatio, todo conhecimento racional é baseado na lógica, de acordo com o que é dado pelos sentidos. Para ele, como só as entidades palpáveis e concretas são conhecidas, os conceitos são apenas mecanismos da linguagem que servem para expressar uma ideia, ou seja, o conceito precisa da realidade para ser comprovado.
Outro princípio foi que as máximas pluralidades não devem ser postas sem necessidade ou, ainda, o chamado princípio da economia, conhecido como Navalha de Ockham. O filósofo defende que a intuição é o ponto de partida para o conhecimento do universo. Sendo, portanto, um dos pensadores que influenciou o Empirismo.
A Escolástica foi uma vertente muito importante para a história da filosofia. A seguir, conheça melhor o pensamentos desses filósofos trabalhados.
Por dentro do mundo medieval
Com essa seleção de vídeos, você compreenderá melhor o contexto histórico da Escolástica e aprenderá mais sobre o pensamento de alguns filósofos citados.
Escolástica e Universidades
No vídeo do Canal Isto não é Filosofia, o professor Vitor Lima explica a origem da Escolástica e o contexto histórico da época. O vídeo mostra a origem das universidades e a importância da Escolástica na formação dessas instituições.
Vida e pensamento de Tomás de Aquino
O vídeo do canal Conceito Ilustrado conta a vida de Tomás de Aquino e explica pontos de seu pensamento. O vídeo explora a diferença entre o pensamento de Aquino e Santo Agostinho, sobretudo acerca do conhecimento. Por fim, há uma explicação sobre as 5 vias tomistas.
A Navalha de Ockhan
No vídeo do canal Doxa e Episteme, Marcos Roberto explica o princípio da Navalha de Ockham. Além disso, ele aborda o princípio da economia atrelado às teorias ontológicas do filósofo. Confira!
Gostou da matéria? Para praticar o pensamento dialético, conheça um filósofo que coloca em xeque a ideia de Deus: Nietzsche.
Referências
O livro da filosofia (2011) – Will Buckingham et al.
Iniciação à história da filosofia (2007) – Danilo Marcondes
Convite à Filosofia (2000) – Marilena Chauí
Por Marilia Duka
Graduada em Filosofia pela Universidade Estadual de Maringá em 2016. Graduada em Letras Português/Francês na Universidade Estadual de Maringá em 2022.
Duka, Marilia. Escolástica. Todo Estudo. Disponível em: https://www.todoestudo.com.br/filosofia/escolastica. Acesso em: 24 de November de 2024.
1. [UFRN ]
Leia o texto abaixo, que exemplifica a principal característica da filosofia escolástica da Baixa Idade Média, e, em seguida, assinale a opção que apresenta essa característica.
“Muitas coisas até às quais o intelecto do homem deverá penetrar permanecem escondidas. Por trás do acidente está escondida a natureza substancial da coisa; (…) porque as coisas inteligíveis estão, como se estivessem, dentro das coisas sensíveis; e nas causas estão ocultos os efeitos, e inversamente. Portanto, visto que o conhecimento humano começa com os sentidos e a partir de fora, é claro que quanto mais forte for a luz do intelecto tanto mais longe penetrará no interior das coisas. Mas a luz do nosso intelecto natural é de virtude finita e pode alcançar apenas o que é limitado. Por esta razão o homem precisa da luz sobrenatural a fim de atingir o conhecimento que não pode conhecer por meio da luz natural; e essa luz sobrenatural dada ao homem é chamada donum intelectus.
[S. Tomás de Aquino, Summa Theologiae, q. VIII, art. I.]
a) Harmonia entre razão e fé, crendo que a verdade dependia não apenas da revelação divina, mas do esforço do próprio homem.
b) Confiança no poder ilimitado da razão que, em sua capacidade de inquirir, investigar e compreender, conhece a totalidade do real.
c) Crença de que basta a observação da natureza para o homem conhecer a essência das coisas.
d) Ênfase na iluminação divina como único caminho para o homem chegar ao conhecimento e à verdade.
Alternativa correta: A.
Justificativa: o pensamento de Tomás de Aquino, assim como o da Escolástica em geral, era voltado para a harmonia entre a fé e a razão.
2. [Enem]
Ora, em todas as coisas ordenadas a algum fim, é preciso haver algum dirigente, pelo qual se atinja diretamente o devido fim. Com efeito, um navio, que se move para diversos lados pelo impulso dos ventos contrários, não chegaria ao fim de destino, se por indústria do piloto não fosse dirigido ao porto; ora, tem o homem um fim, para o qual se ordenam toda a sua vida e ação. Acontece, porém, agirem os homens de modos diversos em vista do fim, o que a própria diversidade dos esforços e ações humanas comprova. Portanto, precisa o homem de um dirigente para o fim.
AQUINO. T. Do reino ou do governo dos homens: ao rei do Chipre. Escritos políticos de São Tomás de Aquino. Petrópolis: Vozes, 1995 (adaptado).
No trecho citado, Tomás de Aquino justifica a monarquia como o regime de governo capaz de
a) refrear os movimentos religiosos contestatórios.
b) promover a atuação da sociedade civil na vida política.
c) unir a sociedade tendo em vista a realização do bem comum.
d) reformar a religião por meio do retorno à tradição helenística.
e) dissociar a relação política entre os poderes temporal e espiritual.
Alternativa correta: C.
Justificativa: Tomás de Aquino entendia que o papel da razão (intelecto) era fundamental para se organizar uma sociedade. Como os homens diferem em seus graus de perfeição, é preciso que, no reino da terra, tenha um que ordene a sociedade, exercitando a sua razão, para direcioná-la ao bem comum. Esse homem seria o monarca.