Por que damos às coisas que existem no mundo atributos que reconhecemos como humanos? Por exemplo, um cachorro “fala”? O vento “sopra”? Deus fica com “raiva”? Aliás, o que é “humano” em nossa cultura? Essas e outras questões são descritas por um conceito: o antropomorfismo. Entenda mais a seguir.
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O que é antropomorfismo
Essa palavra deriva do grego, anthropos, ou seja, humano, e morphe, que é forma. Logo, antropomorfismo é, em geral, a atribuição de formas humanas a seres, coisas e fenômenos que não são humanos.
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O antropomorfismo divino ou teológico é considerado como a origem desse fenômeno. Nesse caso, o termo descreve a caracterização da figura de Deus ou de deuses com aspectos humanos na aparência, personalidade ou atitudes.
Atualmente, principalmente na biologia, o antropomorfismo é a atitude de presumir em outros animais características humanas. Por exemplo, afirmar que a abelha tem instintos maternos, ou a controversa questão da depressão em cachorros.
Antropomorfismo e antropopatismo
O antropopatismo é um termo usado mais propriamente na teologia para se referir ao ato de colocar no Deus cristão sentimentos propriamente humanos. Assim, o amor, a tristeza ou a saudade são propriedades humanas, e não necessariamente de Deus, que é espírito.
Nesse sentido, o antropomorfismo descreve uma ação mais geral de atribuição de formas humanas a qualquer fenômeno ou seres que existem no mundo. Ele se aplica desde a teologia até a discursos presentes no senso comum.
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Antropomorfismo nas religiões
É bastante comum que o antropomorfismo seja identificado em religiões. Principalmente, há essa caracterização em religiões ditas politeístas (ou seja, que possuem muitos deuses, ao contrário do monoteísmo) e antropomórficas, dando aos diversos fenômenos uma forma humana.
Entretanto, essa classificação não deve ser considerada absoluta. Afinal, “antropomorfismo” é uma descrição ocidental, baseada em noções euro-americanas sobre o que é humano e não-humano.
Assim, em diversas culturas o conceito de “humanidade” não é exatamente o mesmo da perspectiva ocidental, não fazendo sentido dizer que elas cometem antropomorfismo. Dada essa ressalva, veja alguns exemplos de antropomorfismo em religiões:
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Antropomorfismo na Bíblia
Embora considerada monoteísta, a religião cristã está repleta de elementos antropomórficos. Tendo a Bíblia como fonte, veja alguns exemplos:
- Deus com órgãos humanos: “E o Senhor sentiu o suave cheiro, e o Senhor disse em seu coração” (Gênesis 8:21). Se Deus é espírito, ele não possui órgãos. Vê-lo dessa forma é tornar sua imagem parecida com a humana.
- Jumenta que fala: no livro de Números, é contada a história de Balaão, que foi salvo por sua jumenta. Balaão, que pensou inicialmente que o animal estava o atrapalhando, reclamou, e a jumenta respondeu a ele dizendo que havia desviado de um anjo.
Antropomorfismo no Egito antigo
Nas culturas egípcias, o conceito de zoomorfismo (o ato de dar formas animais a pessoas ou coisas humanas) aparece em combinação com o antropomorfismo, embora elas pareçam opostas.
Nesse caso, vale a ressalva feita acima, ou seja, de que esta não é a única forma de compreender religiões não-ocidentais. Aliás, é importante saber começando pelo nome: em egípcio, seu nome original é “KMT”, que significa “terra negra”.
- Amon-Rá: esse é um dos principais deuses presentes classicamente na cultura egípcia que possui a forma geralmente humana nas representações, embora seja considerado o deus sol.
- Esfinge de Gizé: uma das maiores construções do mundo, a Esfinge de Gizé combina uma cabeça humana com um corpo animal, sendo considerado um exemplo de antropozoomorfismo.
Antropomorfismo na mitologia grega
Uma das ilustrações mais clássicas de antropomorfismo talvez sejam os da mitologia grega. Nela, os deuses representavam fenômenos sobrenaturais e terrenos. Contudo, frequentemente possuíam uma forma humana.
- Zeus: é o deus dos céus, do relâmpago e dos raios, sendo também o pai dos demais deuses. Existem diversas esculturas construídas pelos próprios gregos da época representando-o em sua forma humana.
- Afrodite: também bastante conhecida, é a deusa do amor, da sexualidade e da beleza. Apesar de representar sentimentos e ideais, também possui uma forma humana.
Portanto, o antropomorfismo pode ser uma forma de visualizar como culturas humanas se relacionam com sua própria noção de humanidade. Além disso, suas religiões e mitos são uma forma de experimentar sua imaginação e criatividade possíveis dentro de seu contexto cultural.
Antropomorfismo na literatura
A literatura é um campo profícuo para a imaginação de mundos possíveis. Logo, há antropomorfismos de diversas perspectivas nesse campo. Abaixo, veja alguns exemplos:
- Chapeuzinho vermelho: é uma fábula antiga que remonta o século X, sendo a versão dos Irmãos Grimm a mais conhecida. Na história, o lobo mau é o vilão com aspectos humanos, principalmente em sua maldade.
- Os três porquinhos: também com muitas versões, a fábula data do século XVIII e foi divulgada por Joseph Jacobs. Tendo também um lobo como vilão, os personagens principais são porcos que constroem casas, possuem preguiça e também ambições.
- Garfield: em formato de história em quadrinhos feita por Jim Davis, Garfield é um gato com sentimentos, personalidade e ações consideradas bastante humanas.
- A revolução dos bichos: é de autoria de George Orwell, um escritor conhecido por criticar sistemas autoritários. Nessa sátira, os bichos são protagonistas de uma revolução, como indica o próprio título.
- Livro das Ignorãças: o antropomorfismo é frequentemente considerado um erro ou inadequação. Contudo, esse livro escrito por Manuel de Barros pode abrir as possibilidades criativas para além do próprio antropomorfismo.
Assim, mais do que considerar o antropomorfismo algo inadequado, ele pode ser um ponto de partida para explorar as possibilidades da imaginação humana. Além disso, as histórias dizem sobre que tipo de cultura e sociedade vivemos.
Vídeos sobre os antropomorfismos
Partindo da ideia de antropomorfismo, é possível pensar em uma série de campos que estimulam a imaginação. A seguir, confira uma seleção de vídeos que trarão mais amplamente ilustrações desse fenômeno:
Mitologia grega
A mitologia grega é bem conhecida e rica em histórias que apuram a imaginação entre os limites do que é “humano”. Saiba mais.
Xenófanes e os deuses gregos
Xenófanes foi um filósofo grego que criticava o aspecto antropomórfico – ou seja, essencialmente humano – que os deuses apresentavam. Entenda por quê.
Humano ou não-humano?
Antropomorfismo é humanizar seres e fenômenos que não são humanos. Mas, afinal, o que é humano? Veja como sempre existiram híbridos e misturas dessas ideias.
A revolução dos bichos
Essa é uma obra clássica que utiliza o antropomorfismo como um recurso para criticar os regimes totalitários. Assim, a representação de animais possui uma força em nossa cultura.
Portanto, o antropomorfismo é um assunto interessante para iniciar diversos debates – o da diversidade cultural, por exemplo. Para saber mais, veja as matérias sobre etnocentrismo e identidade cultural.
Referências
As características antropomórficas de Deus – Cleiton Luiz Kerber;
O antropomorfismo e a pintura. Um exemplo: o cão – Sofia Torres.
Por Mateus Oka
Mestre em Antropologia Social pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Cientista social pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Realiza pesquisas na área da antropologia da ciência.
Oka, Mateus. Antropomorfismo. Todo Estudo. Disponível em: https://www.todoestudo.com.br/filosofia/antropomorfismo. Acesso em: 26 de November de 2024.
1. [CESPE]
Considerando que no meio jornalístico se diz que, quando um cachorro morde um homem, não há notícia, mas, se um homem morde um cachorro, há uma notícia, e uma notícia sensacional, julgue o item subsequente, acerca de notícia.
O ataque humano a um cão é notícia porque envolve o exótico, o antropomorfismo e constitui um atentado aos direitos dos animais.
a) Certo
b) Errado
Resposta: b
Justificativa: o ataque é uma notícia por ser um fato incomum e de interesse de diversas pessoas. Nesse sentido, o interesse pode compor um certo antropomorfismo, no sentido de que o cachorro foi mordido como um humano é mordido por animais.
2. [UnB]
No início do século XX, estudiosos esforçaram-se em mostrar a continuidade, na Grécia Antiga, entre mito e filosofia, opondo-se a teses anteriores, que advogavam a descontinuidade entre ambos.
A continuidade entre mito e filosofia, no entanto, não foi entendida univocamente. Alguns estudiosos, como Cornford e Jaeger, consideraram que as perguntas acerca da origem do mundo e das coisas haviam sido respondidas pelos mitos e pela filosofia nascente, dado que os primeiros filósofos haviam suprimido os aspectos antropomórficos e fantásticos dos mitos.
Ainda no século XX, Vernant, mesmo aceitando certa continuidade entre mito e filosofia, criticou seus predecessores, ao rejeitar a ideia de que a filosofia apenas afirmava, de outra maneira, o mesmo que o mito. Assim, a discussão sobre a especificidade da filosofia em relação ao mito foi retomada. Considerando o breve histórico acima, concernente à relação entre o mito e a filosofia nascente, assinale a opção que expressa, de forma mais adequada, essa relação na Grécia Antiga.
a) O mito é a expressão mais acabada da religiosidade arcaica, e a filosofia corresponde ao advento da razão liberada da religiosidade.
b) O mito é uma narrativa em que a origem do mundo é apresentada imaginativamente, e a filosofia caracteriza-se como explicação racional que retoma questões presentes no mito.
c) O mito fundamenta-se no rito, é infantil, pré-lógico e irracional, e a filosofia, também fundamentada no rito, corresponde ao surgimento da razão na Grécia Antiga.
d) O mito descreve nascimentos sucessivos, incluída a origem do ser, e a filosofia descreve a origem do ser a partir do dilema insuperável entre caos e medida.
Resposta: b
Justificativa: o mito propõe um campo profícuo para a imaginação e para experimentar os limites do pensamento humano, em sua própria racionalidade. Entretanto, a filosofia surge como uma verdadeira forma de pensar racionalmente o mundo, em oposição aos mitos.