A alteridade é um conceito importante para as ciências sociais, especialmente a antropologia. Para esta, a alteridade é na verdade fundante e permanece como um importante direcionador de pesquisas. Em outras palavras, estudar o outro, o diferente, o distante, o exótico, desde o surgimento da disciplina foi um empreendimento antropológico.
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Embora atualmente a antropologia estude pessoas cada vez menos distantes – pesquisando fenômenos urbanos, por exemplo – a diferença continua sendo um fator importante. Ou seja, a alteridade, mesmo que mínima, é ainda um elemento básico na antropologia. O que significa essa alteridade? Veja mais a seguir.
Índice do conteúdo:
Significado de alteridade
A alteridade é a condição de ser um outro, um diferente, um distante ou, nos casos mais radicais, ser um exótico. Nos primeiros estudos da antropologia, houve uma busca pela alteridade distante; ou seja, os primeiros antropólogos procuraram sociedades longínquas da Europa, chamando-os de “bárbaros” ou “primitivos”, em busca da alteridade radical.
A experiência da alteridade geralmente proporciona o conhecimento do diferente e de relativizar o que nos é familiar ou natural. Tudo que nos parece cotidiano e normal pode entrar em colapso a depender da alteridade conhecida. Assim, a palavra alteridade vem do latim alter, que significa justamente o outro.
Alteridade e empatia
Existem diversas formas de entender o conceito de empatia. Em geral, esse termo descreve a capacidade de um ser se sensibilizar ou mesmo dar prioridade para o bem-estar do outro e agir em função disso. Assim, diferentes áreas de estudo pesquisam como o fenômeno chamado “empatia” ocorre.
Evolutivamente, muitos biólogos já confirmaram primatas revelando atitudes empáticas para com o outro. Ver o outro com alguma dor e agir para ajudar a retirar esse sofrimento, por exemplo, é considerado um conjunto de atitudes empáticas.
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Portanto, a alteridade faz parte do fenômeno da empatia, uma vez que é necessário que um ser seja sensível e tenha a experiência de conhecer alguém diferente de si mesmo. Sair de “seu próprio umbigo” e conhecer outra realidade faz parte da experiência de alteridade e empatia.
Alteridade e etnocentrismo
O etnocentrismo é a atitude de julgar a cultura do outro conforme os valores de sua própria cultura. Em outras palavras, é utilizar a “sua própria régua” para medir as práticas, os valores e os costumes de um outro povo. Desse modo, o etnocentrismo é uma atitude preconceituosa e muitas vezes violenta para com uma outra cultura.
Consequentemente, o etnocentrismo é resistente a experiência da alteridade. Conhecer o outro e relativizar os seus próprios costumes é o oposto do que significa uma atitude etnocêntrica.
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Os primeiros estudos antropológicos desenvolvidos por europeus foram extremamente etnocêntricos. Todavia, justamente com a experiência da alteridade cultural, em uma tentativa de perceber e entender a cultura do outro, a antropologia se tornou uma das ferramentas teóricas mais potentes para reduzir o etnocentrismo.
Identidade e alteridade
À princípio, identidade e alteridade podem parecer fenômenos opostos. Isso porque a identidade descreve o que se é. Por exemplo, a identidade surda é formada por indivíduos que mantém algo em comum – uma identificação compartilhada, que é a surdez. Por outro lado, a alteridade diz respeito ao outro, e não o seu próprio grupo.
Entretanto, qualquer identidade precisa de uma alteridade para se constituir. Se existe a identidade surda, essa identificação se dá em uma relação de oposição com o seu par: os ouvintes. Assim, a formação de uma identidade geralmente ocorre com a reafirmação de uma diferença entre si e o outro.
Exemplos de alteridade
Para entender melhor sobre esse conceito, veja alguns exemplos de como a alteridade se torna importante em diversas áreas. Alguns ramos do conhecimento podem dar uma maior centralidade para esse conceito, o que faz com que sejam boas ilustrações para abordar a temática.
Alteridade na antropologia
A antropologia é uma das áreas que mais se preocupa com a alteridade e faz dela um de seus objetos de estudo. Anteriormente, a alteridade que a antropologia buscava era uma distante e radical: antropólogos iam para ilhas e sociedades longes da Europa procurando por uma cultura extremamente diferente daquilo que conheciam.
Com o passar do tempo e do desenvolvimento das pesquisas, a antropologia começou a estudar as alteridades mais próximas – chegando a pesquisar até mesmo a própria sociedade. Isso faz parte de um movimento de estranhar o natural e de pensar o estranho como algo natural.
Alteridade na norma jurídica
Existe, no direito penal, o princípio da alteridade, que é o direito de ser um outro sem causar malefícios a terceiros. Conforme esse princípio, o Estado não pode criminalizar alguém por ser algo ou causar algum mal a si, desde que esse indivíduo não esteja lesando ninguém além dele mesmo.
Alteridade no mundo tecnológico
Com a propagação das tecnologias da informação e da comunicação e o advento da internet, pessoas diferentes passam a se conectar. Consequentemente, alteridades distantes podem entrar em choque, causando conflitos. Por outro lado, pessoas que se sentem diferentes em suas próprias comunidades podem encontrar indivíduos similares na internet.
A tecnologia, portanto, produz novas experiências de alteridade. Como resultado, a própria tecnologia pode se tornar uma alteridade – os filmes de ficção científica e de distopia de máquinas se rebelando contra humanos são um exemplo.
Alteridade e direitos humanos
A Declaração Universal dos Direitos Humanos surgiu em 1948 e estabeleceu direitos que seriam válidos a qualquer pessoa humana. Todavia, incluir a alteridade para pensar os direitos humanos é pensar que, dentro dessa humanidade, há uma diversidade de modos de existência. Consequentemente, existem muitos desafios na prática para a garantia desses direitos que se pretendem universais.
Alteridade e jornalismo
O jornalismo é um bom exemplo de empreendimento que faz da alteridade um interesse especial. Quando se produz uma reportagem, o jornalista passa por uma experiência de alteridade, conhecendo um outro com um contexto diferente do seu. A reportagem fina precisa também proporcionar uma experiência de alteridade para as pessoas.
Apesar desses campos oferecerem ilustrações de como essa é uma questão especial, a experiência da alteridade pode surgir no cotidiano das pessoas. Ela também traz questões éticas e faz pensar sobre qual o projeto de comunidade ou de sociedade se quer construir.
Entenda mais sobre alteridade
O conceito de alteridade é utilizado em diversos campos para pensar o mundo que nos rodeia. Afinal, a todo momento as pessoas são confrontadas com o outro. As formas pelas quais lidamos com a diferença são centrais, especialmente no mundo contemporâneo. Confira uma lista de vídeos selecionados que discutem o tema.
Educação e a alteridade
Confira essa discussão a respeito de uma proposta de educação para a alteridade. Esse conceito inspira e torna-se tão importante em algumas teorias que acaba sendo central na discussão.
Alteridade no direito
Confira uma explicação mais detalhada sobre o princípio de alteridade que existe no direito penal, conforme explicado acima. Esse é um importante aspecto de bases liberais das nossas leis, e revela como o conceito de alteridade pode ser utilizado.
A relação com a antropologia
Como já foi descrito acima, a alteridade é uma questão central para a antropologia. Veja nesse vídeo uma importante relação desse tema com o debate sobre identidade, etnocentrismo e estranhamento, também importantes para essa disciplina.
Empatia em primatas
Nesse vídeo, o primatólogo Frans de Waal explica alguns experimentos realizados com primatas sobre empatia. Além disso, ele realiza uma revisão do termo em alguns autores, o que pode se tornar bastante útil para entender sua relação com a alteridade.
A alteridade dentro da ideia de direitos humanos
O vídeo trata brevemente de noções básicas de alteridade e abre um debate sobre como isso é tratado dentro dos direitos humanos. De fato, esses direitos surgem porque esses não são garantidos naturalmente, e é necessário trabalhar com a diversidade humana e a alteridade.
Desse modo, além de ser um conceito importante na antropologia, a alteridade é também um termo politicamente importante. Como consequência, ela pode trazer projetos e propostas de educação não apenas escolar, mas para toda a sociedade.
A questão da alteridade fica cada vez mais emergente no mundo contemporâneo. As diferenças são aproximadas mundialmente com fenômenos como o da globalização, do capitalismo e da internet. Além disso, o direito a diferença e a alteridade está no centro de movimentos sociais e identitários na atualidade. Por essas razões, entender melhor sobre esse termo é bastante relevante.
Referências
A alteridade em contexto: a antropologia como ciência social no Brasil – Mariza Peirano;
Do “eu” para o “outro”: a alteridade como pressuposto para uma (re)significação dos direitos humanos – José Querino Tavares Neto; Katya Kozicki;
Alteridade e empatia: novos paradigmas para as humanidades no século XXI? – Fabio Ferônimo Mota Diniz;
Alteridade e experiência: antropologia e teoria etnográfica – Marcio Goldman;
Os estudos sobre empatia: reflexões sobre um construto psicológico em diversas áreas científicas – Nilton Soares Formiga;
Alteridade, outridade e jornalismo: do fenômeno à narração do modo de existência – Camila Freiras; Marcia Benetti.
Por Mateus Oka
Mestre em Antropologia Social pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Cientista social pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Realiza pesquisas na área da antropologia da ciência.
Oka, Mateus. Alteridade. Todo Estudo. Disponível em: https://www.todoestudo.com.br/sociologia/alteridade. Acesso em: 22 de November de 2024.
1. [ENEM]
Quanto ao “choque de civilizações”, é bom lembrar a carta de uma menina americana de sete anos cujo pai era piloto na Guerra do Afeganistão: ela escreveu que – embora amasse muito seu pai – estava pronta a deixá-lo morrer, a sacrificá-lo por seu país. Quando o presidente Bush citou suas palavras, elas foram entendidas como manifestação “normal” de patriotismo americano; vamos conduzir uma experiência mental simples e imaginar uma menina árabe maometana pateticamente lendo para as câmeras as mesmas palavras a respeito do pai que lutava pelo Talibã – não é necessário pensar muito sobre qual teria sido a nossa reação.
ZIZEK. S. Bem-vindo ao deserto do real. São Paulo: Bom Tempo. 2003.
A situação imaginária proposta pelo autor explicita o desafio cultural do(a):
A) prática da diplomacia.
B) exercício da alteridade.
C) expansão da democracia.
D) universalização do progresso.
E) conquista da autodeterminação.
Resposta: B
Justificativa: imaginar o contexto do outro – e, nesse caso, particularmente a cultura em que o outro está inserido – e tentar se por em seu lugar é um exercício que envolve a alteridade. Há, aqui, o reconhecimento da diferença do outro, que é legítima, e a tentativa de entendê-la.
2. [VUNESP]
As diversas culturas existentes mantêm contato entre si, mas nem sempre esse contato é algo que representa ganho para todos, porque muitas culturas se sentem superiores a outras, o que implica diversas maneiras de ver o mundo. A visão de superioridade cultural é denominada pela antropologia de:
A) interpretativa.
B) relativista.
C) alteridade.
D) etnocêntrica.
E) estruturalista.
Resposta: D
Justificativa: a noção de superioridade cultural é etnocêntrica, o que é ao contrário, por sua vez, das visões que respeitam e legitimam a alteridade e a diferença.