O processo de uberização do trabalho é um fenômeno extremamente relevante para entender as relações de trabalho no século XXI – marcado pelo capitalismo de plataforma que surgiu com a revolução digital. Fruto de uma sociedade mais instável, com maior dinamismo nas relações sociais, a uberização é resultado da informalização e precarização das relações de trabalho.
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O que é uberização do trabalho
A uberização, ao contrário do que parece, não se refere apenas aos trabalhadores que atuam na plataforma da Uber. Na verdade, o termo diz respeito a um novo meio de relações trabalhistas nas quais o trabalhador se torna responsável pelos riscos, custos e processo de produção de maneira integral, atuando de maneira autônoma, e em um modelo de desempenho por demanda.
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A palavra tem origem no aplicativo de caronas Uber, que é uma das plataformas de serviço por demanda mais utilizadas e mais marcantes entre os aplicativos. Desse modo, a palavra é fruto do contexto de precarização das relações de trabalho, o aumento do número de pessoas que trabalham por meio de aplicativos sem vínculos empregatícios e uma profunda crise econômica – referenciada como “gig economy” ou economia de “bicos”.
Por que ocorre a uberização
A uberização do trabalho não é um fenômeno tão recente. Segundo o economista Guy Standing, esse modelo de relação trabalhista vem se consolidando há anos, com início após a recessão econômica do início dos anos 1980. Nessa época, o modelo fordista de trabalho, marcado pela longevidade dos trabalhadores em uma mesma empresa, entrou em crise, dando início a um processo de precarização das condições de trabalho, que se destaca pela pouca estabilidade empregatícia e um longo processo de perda de direitos trabalhistas. Esse processo deu origem ao precariado, definido por Guy Standing como uma nova classe social, marcada pelas condições de trabalho extremamente flexíveis e instáveis.
Nesse contexto de relações trabalhistas instáveis e condições de trabalho débeis, surgiram diversos aplicativos de prestação de serviços. Dentre eles, o Uber, o iFood e o Rappi, aplicativos que rapidamente se tornaram a principal fonte de renda de muitos brasileiros, que começaram a atuar como motoristas ou entregadores de forma autônoma, sem vínculo empregatício com as plataformas. Com isso, cerca de 1,5 milhão de pessoas passaram a trabalhar para plataformas digitais no Brasil, afirma um estudo da UFPR.
Em vista disso, há uma combinação de dois fatores para a consolidação do trabalho uberizado: a escala global de relações de trabalho precarizadas, resultante do surgimento do precariado, e o alto índice de desemprego no país, que chegou a atingir 14,9% da população no primeiro trimestre de 2021, segundo dados do IBGE. Consequentemente, com a derrocada do modelo fordista e a alta taxa de desemprego, surgiu um cenário extremamente favorável para os aplicativos e plataformas de prestação de serviços.
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Como ocorre a uberização
A uberização do trabalho está intimamente ligada ao trabalho informal, cuja ascensão no Brasil ocorreu em 2017. Neste ano, devido à reforma trabalhista instituída pelas Leis nº 13.429/2017 e nº 13.467/2017 – que facilitou a contratação de autônomos –, o número de pessoas trabalhando sem carteira assinada ou de maneira autônoma superou o número de trabalhadores efetivos pela primeira vez.
Neste período, foi perceptível o enfraquecimento das instituições reguladoras e fiscalizadoras das condições de trabalho – com a incorporação do Ministério do Trabalho e Emprego ao Ministério da Economia –, os cortes no orçamento da Justiça do Trabalho e a extinção da Justiça do Trabalho, pautada desde 2016 por meio de propostas de emenda constitucional.
Consequências da uberização
De acordo com o relatório do Fairwork Brasil, que analisou as condições de trabalho do iFood, 99, Uber, Get Ninjas, Rappi e Uber Eats, nenhuma plataforma atende os requisitos necessários de remuneração, condições de trabalho, contratos e gestão de forma justa.
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Em vista disso, as principais consequências da uberização do trabalho giram em torno da falta de garantia, direitos e estabilidade do trabalhador submetido a esse modelo de trabalho. A posição de autônomo que o trabalhador ocupa o coloca em uma situação de vulnerabilidade, pois, qualquer adversidade que impossibilite o exercício do trabalho resulta na perda da renda do indivíduo, além da escassa legislação de amparo legal às pessoas que atuam em empregos uberizados.
Assim, poucas garantias e direitos que esse modelo de trabalho proporciona, como a baixa remuneração e a transferência de riscos e custos ao trabalhador. Isso transforma a suposta vantagem de livre escolha de horários e tarefas em um contexto com longa carga horária de trabalho, no qual motoristas chegam a dirigir cerca de 15 horas por dia.
Dentre as principais consequências da uberização, destacam-se:
- Instabilidade financeira;
- Falta de garantias legais e direitos trabalhistas;
- Péssimas condições de trabalho;
- Gestão e controle do trabalho baseado em algoritmos;
Agora que você entendeu o que é a uberização e o contexto social e político que engloba esse fenômeno, veja como combater esse novo modelo de trabalho que vem impondo uma condição precária de trabalho para milhões de brasileiros.
Como combater a uberização
O combate à uberização deve abranger todos os campos que impulsionam essa prática, a começar pelas condições legais que possibilitam relações de trabalho desse caráter, com o intuito de aumentar o número de trabalhadores com carteira assinada. Nesse sentido, é fundamental que a reforma trabalhista imposta pelas Leis nº 13.429/2017 e nº 13.467/2017 seja questionada, pois, mesmo que o índice de trabalhadores informais, ou que atuam de maneira autônoma, tenha sido alto no Brasil desde o ano da reforma, esse número teve um crescimento considerável.
Para além disso, é necessário levar em consideração que as relações de trabalho não são impactadas única e exclusivamente pelo aparato legal do Estado, mas também é necessário considerar os fatores econômicos que proporcionam um cenário favorável para a uberização, como o alto índice de desemprego, que torna o trabalho precarizado a única alternativa viável de renda para inúmeras pessoas.
Saiba mais sobre a uberização e as relações de trabalho no século XXI
A seguir, veja os diversos temas que giram em torno das relações de trabalho no século XXI, com enfoque no processo de uberização do trabalho:
O trabalho no século XXI e a uberização
Este vídeo contempla os diversos conceitos que compõem o fenômeno da uberização. Essa discussão é contextualizada a partir das condições de trabalho no século XXI, compreendendo a conjuntura histórica e social que determina as condições do mundo do trabalho na contemporaneidade.
Contexto histórico da uberização
Aqui, o canal Normose apresenta a fundo o contexto histórico e político da precarização do trabalho no século XXI. Complementado com diversos exemplos cotidianos sobre como a uberização do trabalho impacta no cotidiano dos consumidores e dos trabalhadores, além de abordar o contexto econômico que engloba esse fenômeno.
A precarização do trabalho no Brasil
A uberização é um fenômeno global, mas que se desenvolve de diversas maneiras conforme o contexto em que está inserida. Saiba mais sobre o processo de precarização das relações de trabalho no Brasil assistindo a este vídeo!
Como é o cotidiano dos entregadores de aplicativos
Quer conhecer o dia a dia de um entregador que trabalha para um aplicativo? Esse documentário acompanha diversos trabalhadores precarizados que contam suas histórias e trajetórias no trabalho, abordando como suas vidas são atingidas pelas péssimas condições de trabalho em que estão submetidas.
Contexto social e político da uberização
Neste vídeo, a discussão sobre a precarização do trabalho é contextualizada a partir das condições sociais, políticas e econômicas do século XXI. Aqui, é apresentada uma visão mais ampla sobre como foram produzidas as condições históricas e materiais que impulsionaram o processo de uberização do trabalho.
Gostou dessa matéria? Aprenda também sobre o que é o trabalho informal e complemente seus conhecimentos acerca da temática.
Referências
Fairwork Brasil 2021: Por Trabalho Decente Na Economia De Plataformas (2021) – Fairwork
O precariado: A nova classe perigosa (2013) – Guy Standing
O trabalho controlado por plataformas digitais no Brasil: dimensões, perfis e direitos (2022) – Sidnei Machado e Alexandre Pilan Zanoni
Uberização, trabalho digital e Industria 4.0 (2020) – Ricardo Antunes
Por Marcel Sproesser
Graduado em Ciências Sociais e pós-graduado em Ensino de Sociologia pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Pesquisa sobre Sociologia da Educação e Sociologia Digital.
Marcel Sproesser, Marcel. Uberização. Todo Estudo. Disponível em: https://www.todoestudo.com.br/sociologia/uberizacao. Acesso em: 21 de November de 2024.
1. [ENEM - 2020]
Com a retração do binômio taylorismo/fordismo, vem ocorrendo uma redução do proletariado industrial, fabril, tradicional, manual, estável e especializado, herdeiro da era da indústria verticalizada do tipo taylorista e fordista. Esse proletariado vem diminuindo com a reestruturação produtiva do capital, dando lugar a formas mais desregulamentadas de trabalho, reduzindo fortemente o conjunto de trabalhadores estáveis por meio de empregos formais.
ANTUNES, R. O caracol e sua concha: ensaio sobre a nova morfologia do trabalho.
São Paulo: Boitempo, 2005.
Uma nova característica dos trabalhadores requerida pelas mudanças apresentadas no texto é o(a)
a) formação em nível superior.
b) registro em organização sindical.
c) experiência profissional comprovada.
d) flexibilidade no exercício da ocupação.
e) obediência às normas de segurança laboral.
Alternativa D. A flexibilização do trabalho é um fenômeno que vem sendo observado em escala global há algumas décadas, principalmente com o aumento dos empregos informais, diminuição de leis trabalhistas e instabilidade empregatícia.
2. [FATEC - 2020]
O conceito de precariado se refere a uma classe emergente, definida por uma combinação distinta de relações. As pessoas do precariado estão sendo forçadas a aceitar uma vida de empregos instáveis, sem uma identidade ocupacional, sendo exploradas e sem horários regulares de trabalho. De acordo com o texto, o precariado é um grupo de pessoas que
a) não aceita a tutela do Estado e negocia sua força de trabalho diretamente com o governo, que o repassa às empresas, conseguindo, dessa forma, remunerações acima do mercado.
b) não é explorado pelo fato de trabalhar sem folgas semanais, uma vez que possui registro na carteira de trabalho, e aceita, voluntariamente, não tirar as férias anuais previstas em lei.
c) não possui um emprego formal e, portanto, não possui direitos trabalhistas, estando sujeito às atividades com longas jornadas de trabalho, por prazo determinado e em condições insalubres.
d) não recebe mais que um salário mínimo, contudo, possui horários regulares de trabalho e está amparado pelas leis trabalhistas, que permitem uma remuneração menor que a prevista na Constituição Federal.
e) não quer ter um emprego formal, mas tem seus direitos trabalhistas legais respeitados, mesmo cumprindo jornadas de trabalho superiores a vinte horas diárias, e tambem possui estabilidade no emprego de caráter oficial.
Alternativa C. Os trabalhadores que compõe o precariado estão sujeitos à péssimas condições de trabalho, sem direitos trabalhistas, e em uma condição extremamente instável.
3. [UNICAMP - 2011]
Importantes transformações produtivas e na forma de organização do trabalho têm ocorrido nas últimas décadas em todo o mundo e também no Brasil. Assinale a alternativa correta.
a) Em todo o mundo vêm sendo observadas mudanças em relação ao assalariamento e ao desemprego, como a precarização das relações de trabalho para desoneração da produção, e o crescimento da informalidade.
b) Acordos e tratados internacionais, dos quais o Brasil é signatário, tratam da questão do trabalho escravo e proíbem a escravidão por dívida, razão pela qual esse tipo de trabalho forçado não é registrado no país desde 1888.
c) Considerando a oferta de trabalho no Brasil, observa-se uma mudança de tendência, com a diminuição de oferta de emprego no setor primário e terciário, e efetivo aumento da oferta de emprego no setor secundário da economia.
d) Uma característica marcante das relações de trabalho na etapa atual do modo de produção é a maior organização sindical.
Alternativa A. A precarização do trabalho é um fenômeno global que vem afetando as condições de trabalho de uma grande parcela da população e está ligado diretamente com o aumento de trabalhadores informais.
4. [IFES - 2018]
“Empreendedorismo não é uma solução mágica. É preciso foco”
Viviane da Mata (Jornal A tribuna, 11/05/2018)
Não podemos ignorar os aspectos sociais que levam os jovens a estudar com foco exclusivo no mercado para estabelecerem o quanto antes seu espaço no mundo.
É uma lei de sobrevivência para quase todo mundo. E, atualmente, parece que a solução mágica é sempre o empreendedorismo. Mas esse caminho também é feito de percalços e muitos desafios.
Para uma grande parcela da população, atuar por conta própria é a única via de saída para resolver seus problemas econômicos mais urgentes e driblar a falta de oportunidades formais nas empresas.
A empresa de transporte privado Uber não inventou, mas certamente popularizou esse modelo. O processo de ‘uberização’ do mercado de trabalho idealiza o trabalho autônomo e evita comentar sobre a pouca ou nenhuma cobertura dos direitos sociais.
É um fenômeno que precisamos compreender e refletir no contexto atual.
O mais importante é que o jovem sonhe, mas não baseie suas escolhas nos discursos de convencimento fácil.
Construir uma carreira requer autoconhecimento, estabelecimento dos objetivos pessoais e profissionais, foco e disciplina. Do contrário, pode ser inevitável cair em um ciclo que traz a sensação de estar sempre naquela situação limite, apenas ‘apagando incêndio’.
Assinale a alternativa que NÃO CORRESPONDE às ideias expressas no texto.
a) Aspectos sociais influenciam a preocupação dos jovens em encontrar um lugar ao mercado, como busca de seu lugar no mundo.
b) Apesar de apresentar obstáculos, o empreendedorismo se apresenta muitas vezes como uma solução mágica.
c) Para muitos, o trabalho autônomo surge como solução para problemas econômicos.
d) O processo de “uberização” é idealizado, e esconde a ausência de direitos sociais, além da precarização da condição do trabalhador.
e) O autoconhecimento é um instrumento que torna inevitável o apagar de incêndios.
Alternativa E. A alternativa E não se relaciona ao texto quando a expressão “apagar incêndios” é utilizada. Na verdade, faz referência a situação de instabilidade que o trabalhador uberizado se encontra.