Antes da invenção do cinema, uma manifestação artística já indicava que as imagens em movimentos estavam próximas de serem registradas e projetadas. As chamadas lanternas mágicas exibiam animações e eram um sucesso na França. Com o cinema estabelecido, consagrou-se um gênero. A seguir, conheça o percurso histórico das animações.
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O que é cinema de animação
Segundo Jacques Aumont e Michel Marie (2010, p. 18), animação é “o termo para designar formas de cinema nas quais o movimento aparente é produzido de maneira diferente da simples tomada de cena analógica”, ou seja, não se trata de uma captação imagética pura, mas, sim, da reprodução repetitiva de um mesmo desenho para conquistar o efeito de movimento. Tanto que a gênese da palavra animação é “animare”, ou seja, “dar vida”.
Em 1982, a poucos anos dos irmãos Lumière lançarem a máquina que mudaria a história do entretenimento na humanidade, foi exibida a primeira projeção de desenhos animados em um espetáculo de lanternas mágicas. Em Paris, três curtas foram lançados em 28 de outubro. Celso Sabadin (2018) descreve que “esses curtas eram feitos com centenas de imagens translúcidas de seis por seis centímetros, cada qual desenhadas e coloridas individualmente, fixadas sobre uma tira flexível de couro e projetadas por um sistema de roldanas e espelhos batizados de Théâtre Optique”.
A partir do espetáculo citado, as animações passaram por transmutações. Em 1906, a Vitagraph lançou Phases of funny faces, com Stuart Blackton desenhando a animação na tela. Em 1908, Emile Cohn foi o primeiro a fazer uma animação sem aparecer as mãos do desenhista, assim, o filme Fantasmagorie marca os avanços técnicos no gênero. Em 1917, na Argentina, surge o primeiro longa-metragem em animação, a sátira política El Apóstol, coordenado pelo cartunista Diógenes Taborda e dirigido por Quirino Cristiani (SABADIN, 2018). O filme possui 70 minutos e totaliza 50 mil desenhos.
Com a evolução das técnicas, não demorou muito para a simpatia dos personagens animados se tornar peça-chave para o sucesso das animações. O primeiro a conquistar uma legião de fãs foi o gato Félix, no curta Feline Follies. Com elementos do surrealismo, o personagem encantou pela sua criatividade, esperteza e capacidade de realizar todas suas vontades (características que se tornariam predominantes no gênero). Assim, cada produtora investiu em sua criatura: Félix pela Paramount, Mickey pela Disney, Coelho Oswaldo pela Universal, e a lista segue.
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Não tem como falar de animações sem falar de Walt Disney. Além de ser o responsável por vários personagens icônicos, como Pernalonga, Pantera Cor-de-Rosa, Pato Donald e Pateta, ele revolucionou o cinema ao investir milhões no primeiro longa-metragem sonoro. Teoricamente produzido para crianças, havia o risco de a duração não prender a atenção dos pequenos. Entretanto, o longa “Branca de neve e os sete anões”, de 1937, foi um sucesso, chegando a faturar o quádruplo do seu investimento.
A soberania da Disney só começou a ser contestada em 1979, com a chegada da Pixar. O ápice da produtora viria anos depois, em 1995, com Toy Story, primeira animação completamente elaborada em computação gráfica. Na sua coleção de clássicos, estão: Vida de Inseto (1998), Monstros S.A. (2001), Procurando Nemo (2003), Os incríveis (2004), Ratatouille (2007) e Wall-e (2008). Entretanto, a concorrente não abalou o reinado da Walt Disney que, em 2006, comprou a Pixar.
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Animação infantil x animação para adultos
Embora, no imaginário popular, as animações estejam mais relacionadas ao universo infantil, a história do cinema mostra que não é bem assim. Inicialmente, as animações buscavam registrar imagens em movimento. A partir disso, elas foram sendo desenvolvidas com o intuito de reproduzir o “real” ou como um recurso para contar histórias. Em suas origens, o gênero estava bem longe de ser pensado somente para crianças.
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Para compreender quando as animações se tornaram diretamente relacionadas ao público infantil, é preciso fazer um percurso que envolve o mercado, a TV e os perfis sociais e políticos. Em sua origem, os filmes do gênero, mesmo com personagens de cunho infantil, possuíam cenas de extrema violência e conotações sexuais. Em 1930, foi implantado um mecanismo de controle para censurar os traços de imoralidade nos conteúdos au audiovisuais: o código hays. Esse determinava uma cota de distribuição, isto é, quanto menos conteúdo de violência, principalmente sexuais, maior seria a taxa de distribuição. A lei durou de 1930 a 1968.
Com isso, não compensava para as produtoras investirem em filmes que possuíam qualquer vestígio possível de penalização pelo código. Assim, as animações, antes tão bem determinadas para o público adulto, passaram a ter um perfil mais condicionado ao público infantil. A chegada da televisão, que ameaçou a estabilidade do cinema, também influenciou o condicionamento. Devido às produções de baixo orçamento, a qualidade dos desenhos animados era considerada vergonhosa para atender o público adulto.
Não há uma diferenciação exata entre a animação infantil e a produzida para adultos. Obviamente, algumas produções são claramente mais destinadas para um público do que para o outro. Entretanto, grandes produtoras, como Disney e Pixar, atualmente, buscam criar filmes que sejam para toda a família. Afinal, se houve um investimento exorbitante na produção, não faz sentido limitar o enredo. Vale dizer que a contraindicação das animações segue as mesmas regras dos demais filmes. A distribuidora tem de saber o que está vendendo e o público tem de saber o que está comprando.
Tipos de animação
As animações acompanharam a evolução da tecnologia, incorporando-a em suas técnicas e linguagem. Um dos motivos para isso ter acontecido foi o desejo de acelerar a produção, pois, no modo tradicional, desenhar quadro a quadro demanda muito tempo e o mercado tem pressa. Porém, até hoje, há produções que utilizam os recursos primários do gênero. A seguir, veja os tipos de animações:
Animações tradicionais ou clássicas
A forma mais antiga de fazer animação é por meio dos desenhos à mão, frame a frame, ou seja, um a um, quadro a quadro. Depois de prontos, eles são postos em sequência, produzindo, assim, a ilusão do movimento. Imagine que seu personagem está caminhando: primeiro, você faz todo o desenho com a perna direita esticada, e, para o próximo passo, repete o mesmo desenho, porém com a perna esquerda esticada. O clássico Rei Leão (1994) foi realizado dessa forma.
Animação 2D digital
A animação 2D é a continuidade da animação tradicional, porém de modo digital. O desenho é feito em programas de computador, sem a necessidade de desenhar frame a frame, pois essa técnica permite que o contorno e a pintura também sejam realizados em um único desenho.
Rotoscopia
Max Fleischer desenvolveu o rotoscópio, um dispositivo que permite animar um vídeo feito por câmera analógica. Trata-se da animação do real, como se se desenhasse “por cima” do vídeo original.
Stop Motion
No lugar de caneta, lápis ou vídeo, usa-se a fotografia. As principais obras produzidas por meio dessa técnica utilizaram bonecos e ambientações feitas em maquetes. Para criar a ilusão de movimentos, as imagens são capturadas em fotos e reproduzidas. Atualmente, existem diversas formas de se usar essa técnica.
Animação 3D
Como foi dito anteriormente, a animação 2D é uma continuidade da animação tradicional. Já a 3D, parte da animação digital feita em programas de computador e, posteriormente, há a manutenção da imagem e o processo de dar vida às personagens, objetos etc.
Vale ressaltar que a animação é um gênero dentro do cinema e o único que possui diversas formas de ser feito. A seguir, conheça algumas animações importantes.
Filmes de animação
Nos tópicos anteriores, foram abordadas diversas produções de grandes estúdios, em sua maioria, animações populares e conhecidas do grande público. Agora, segue uma lista de obras não muito conhecidas, mas com histórias interessantes e técnicas que mostram a animação usada como recurso cinematográfico.
Mary e Max – Uma amizade diferente (2009), de Adam Elliot
Nessa animação, em stop motion (mais precisamente em claymotion, que é uma das formas de stop motion, quando feito com massas de modelar), a garotinha Mary de 8 anos, solitária, filha de uma mãe alcoólatra e pai ausente, encontra o endereço de Max, um senhor que mora do outro lado do mundo, também solitário e que possui síndrome de Asperger. A troca de cartas faz surgir uma amizade inusitada.
Morte e Vida Severina (2010), de Afonso Serpa
Exemplo de animação em 3D, essa produção segue o texto, na íntegra, da obra-prima literária Morte e Vida Severina, escrita por João Cabral de Melo Neto. O recurso em preto e branco enfatiza ainda mais a dramaticidade da narrativa. Além disso, há uma cena realizada com alguns processos difíceis.
O Menino e o Mundo (2013), de Alê Abreu
Mais uma animação brasileira. Essa foi desenvolvida com a técnica de animação clássica e em 2D, além disso, é riquíssima em detalhes visuais. No seu enredo, um menino vê seu pai partir em busca de uma vida melhor. Não suportando a ausência paterna, faz as suas malas, pega o trem e desbrava o mundo para encontrar o seu pai. O percurso é repleto de imagens de dor e sofrimento, que serão reinterpretadas pelo olhar da criança. O filme foi indicado ao Oscar de melhor animação em 2014
Persépolis (2007), de Marjane Satrapi e Vincent Paronnaud
Adaptação do livro autobiográfico, escrito pela diretora do filme, Persépolis acompanha a vida de Marjane desde sua infância, em uma família muito politizada e contrária ao regime brutal do Xá. A menina é obrigada a sair do Irão, por segurança, e passar de lugar a lugar, sem contato com a família. Com essa experiência, a personagem se revolta contra as imposições fundamentalistas, especialmente, em relação às mulheres. O filme também foi indicado ao Oscar de melhor animação e representou a França. A técnica utilizada na produção foi a clássica, feita com desenhos à mão.
Valsa com Bashir (2008), de Ari Folman
Essa é a primeira animação da história a ser indicada ao Oscar de melhor filme estrangeiro. Ele um exemplo da técnica Rotoscopia. Uma outra particularidade é que se trata de um documentário, mostrando que a animação é um recurso do cinema para qualquer história e qualquer público. Seu enredo é sobre a restituição da memória do próprio diretor que, traumatizado, esqueceu os eventos vivenciados na guerra, então, ele entrevista amigos do exército.
Anomalisa (2016), de Charlie Kaufman e Duke Johnson
Feito em stop motion, com bonecos de silicone, essa premiada animação retrata a vida de Michael Stone, que possui a síndrome de Fregoli. Assim, ele pensa que todas as pessoas estão disfarçadas de outras que ele já conhece. Ou seja, são todos praticamente iguais, menos Lisa, uma mulher que ele conhece em uma de suas palestras motivacionais.
Minha Vida de Abobrinha (2015), de Claude Barras
Mais um filme feito com a técnica do stop motion, essa singela obra narra a vida de Ícaro, um menino que é apelidado de Abobrinha, perde sua mãe em um acidente e é levado para um orfanato. Lá ele faz amizade com outras crianças que também passaram por perdas semelhantes. A chegada de Camile muda a rotina do Abobrinha no lar. A obra também foi indicada ao Oscar de melhor animação.
Gostou de ver todo o percurso histórico da animação? Para aprender mais sobre a história do cinema, confira a matéria sobre movimentos cinematográficos. Bons estudos!
Referências
A arte do cinema (2018) – David Bordwell e Kristin Thompsom.
A história do cinema para quem tem pressa (2018) – Celso Sabadin.
Dicionário teórico e crítico de cinema (2010) – Jacques Aumont e Michel Marie
Por Alyson Santos
Professor, mestre em Letras, especialista em Cinema e Linguagem Audiovisual e História do Cinema.
Santos, Alyson. Animações. Todo Estudo. Disponível em: https://www.todoestudo.com.br/artes/animacoes. Acesso em: 21 de November de 2024.
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