A Nouvelle Vague é um dos movimentos cinematográficos mais conhecido entre os cinéfilos de plantão. Assim, a sua passagem pela história provocou mudanças no modo de se fazer filmes e influenciou outros movimentos por diversos lugares do mundo. Saiba mais sobre este tema abaixo.
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O que é o Nouvelle Vague
A Nouvelle Vague, ou “nova onda”, surgiu devido à necessidade de contrapor a soberania dos estúdios norte-americanos e a narrativa clássica que dominava o cinema. Dessa forma, os principais objetivos desse movimento eram da ênfase na liberdade criativa e criação da política de autores.
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Tudo começou no final da década de 40, quando a França começava a dar sinais de uma busca identitária em seu cinema. Em seu artigo O Nascimento de uma Vanguarda: a câmera, em 1948, Alexandre Astruc já divulgava o conceito de câmera stylo já estava em desenvolvimento. Também conhecida como “câmera caneta”, este conceito defendia que o diretor precisa ter liberdade com a câmera, assim como um escritor tem liberdade com a sua caneta.
Em 1954, François Truffaut publicou outro artigo importantíssimo na Revista Cahiers du Cinema, conhecida como “Uma Certa Tendência do Cinema Francês”. Este estudo complementava a questão da política dos autores, na qual o “pensamento individual e pessoal de quem filma, não muito diferente de um quadro, livro ou música, passaria a ser o condutor da criação” (SABADIN, 2018).
Dessa forma, gravar fora dos estúdios foi um dos grandes marcos do movimento. Isso porque, ao direcionar a câmera nas ruas, o diretor consegue dar destaque ao indivíduo e suas angústias. Esse conceito é tão importante que, anos depois, o Neorrealismo Italiano utilizou o mesmo recurso para enfatizar os problemas socioeconômicos do país após a guerra.
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Em 1970, o movimento começou a se enfraquecer e a dar vaga a um cinema que começava a construir a sua contemporaneidade. Ainda assim, a Nouvelle Vague deixou que seu caráter revolucionário marcasse a linguagem cinematográfica para sempre, estabelecendo novas formas estéticas e pluralizando os modos de se fazer filmes.
Com esses diversos recursos, este movimento se emancipou da literatura e do teatro para estruturar suas histórias. Dessa forma, o cinema conseguiu criar sua própria linguagem. A seguir, confira quais foram as características desse momento tão importante para o cinema.
Características da Nouvelle Vague
Como você já viu, a Nouvelle Vague buscou romper com a forma hollywoodiana de se fazer filmes. Dessa forma, veja as principais características que resultaram a partir desse objetivo:
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- Narração fragmentada: em vez de histórias lineares (ou sejam, com espaço e tempo marcados e com uma narrativa que segue começo, meio e fim), as narrações eram dadas em partes. Isso significa que os filmes tinham uma narrativa mais fracionada e sem preocupação com a lógica das sequências do enredo.
- Montagem descontínua: a montagem contínua é uma organização de planos que vão cortando de um para o outro de forma coerente e em uma cronologia ordenada. Já a descontínua tira essa sequência, dando uma sensação de ir e vir de forma desordenada. Em flashbacks, esse recurso também é muito comum.
No filme O demônio das onze horas, de Godard, há uma cena em que as personagens fogem de um determinado local. Para mostrar essa fuga, o diretor escolhe usar a montagem descontínua, de forma que é mostrado elas saindo do apartamento e entrando no carro, depois volta para as mesmas personagens ainda saindo do apartamento.
- Cortes abruptos: nos filmes hollywoodianos, os cortes precisam acontecer da forma mais natural possível. A Nouvelle Vague também rompeu com essa naturalidade, pois os cortes passaram a ser mais abruptos e secos. O jumpcut é um recurso utilizado para causar o estranhamento no espectador.
Em Acossado, de Godard, há uma cena em que a personagem foi filmada dentro de um carro, andando em um determinado local da cidade. Então, cortes abruptos começam a acontecer, de forma que a personagem continua no mesmo carro, mas em outros locais.
- Aspecto documental: como as ruas passaram a ser o ambiente característico da Nouvelle Vague – principalmente os cafés e os nightclubs -, a câmera na mão passou a ser um recurso de captação valioso. Dessa forma, o tom do documentário se fez presente dentro das ficções do movimento.
Esse recurso também foi essencial para o rompimento dos filmes hollywoodianos, pois antes da Nouvelle Vague as cenas eram filmadas com câmeras presas a algum equipamento. Com a câmera na mão, as cenas tremiam, trazendo uma característica mais “realista” dentro do filme. Para acompanhar esse tom, a linguagem coloquial predominava nos diálogos dos personagens.
- Imagens de arquivos: cartelas, arquivos de filmes, programas de tv e qualquer outro modo midiático poderia ser incluído na montagem de alguns filmes. Ainda que destoantes da narrativa ou da tonalidade da cena em curso, esse recurso também era uma forma de causar descontinuidade e estranhamento da composição das ordens das imagens.
- Som direto: até o som passou a ser a do ambiente e de modo integral. Isso também ajuda a reforçar o aspecto documental, reforçando as características estéticas dos filmes do movimento. Em equilíbrio, era muito comum a utilização de uma voz over, que narra a história sem ter um vínculo com ela.
- Luz natural: em sua grande maioria, até as luzes hollywoodianas eram artificiais. Assim, na Nouvelle Vague, a luz natural era outro recurso que reforçava o aspecto documental, com intuito de deixar a aparência um tanto “suja”, buscando a imperfeição e um certo desconforto para o público.
- Atuações pouco teatrais: não é porque as atuações eram mais realistas que os filmes deixaram de ser expressivos. Antes da Nouvelle Vague, muitos atores sentiam a necessidade de uma atuação mais posada e teatral para passar expressar a ideia do filme; com o movimento, o aspecto de ensaio foi essencial para manter o tom documental.
De forma mais vulnerável e oscilante, as atuações mais realistas passaram a se expressar pelo estilo do personagem. Dessa forma, os filmes exploravam o não verbal, bem como o contexto do personagem em alguma cena.
Com tantas características diferentes, é essencial ver como esses recursos se comportavam na prática, não é mesmo? Dessa forma, confira a seleção de filmes abaixo para maratonar no final de semana.
Filmes da Nouvelle Vague
Neste tópico, confira na prática, como os filmes da Nouvelle Vague recheavam sua linguagem cinematográfica com essas novas características:
Nas Garras do Vício (1959), de Claude Chabrol
Este filme não pode faltar na sua lista, pois ele é considerado o longa que inaugurou o movimento. Aqui, Chabrol traz em seu enredo o retorno do personagem François ao vilarejo de sua infância, na qual ele reencontra seu amigo, agora alcoólatra, em luto pela perda do filho e extremamente violento com a sua esposa.
Os incompreendidos (1959), de François Truffaut
Considerada uma das obras mais importantes da história do cinema, o filme do jovem Truffaut provocou estrondos nos festivais. Em seu enredo, o jovem menino Antoine não recebe atenção dos adultos que o cerca. Junto com seu melhor amigo, os dois tentam melhorar a sua vida, ainda que façam coisas perigosas. Em uma dessas ações, o menino infringe a lei e passa a ser procurado pelas autoridades.
Hiroshima, meu amor (1959), de Alain Resnais
No filme, uma jovem está fazendo um filme em Hiroshima e conhece um japonês, que remete a uma paixão vivida com um soldado alemão que lutou na segunda guerra mundial. A partir dessa relação, extraconjugal para ambas as partes, o filme irá levantar questões sobre a memória e o comportamento das personagens frente à perspectiva de vida conjugal. Alain Resnais também é conhecido por dar início à modernidade no cinema na Europa.
Acossado (1961), de Jean-Luc Godard
A americana Patrícia passa a ser amante de Michel Poiccard, um charmoso rapaz que vive no crime, sendo um ladrão de carros e homicida. Ao matar um policial que o perseguia, Michel precisa se safar de seu crime e fugir com a sua amada para Roma. Produzido por Godard, um dos diretores mais singulares da história do cinema, o filme possui um estilo irreverente da montagem com os jump cuts e deixou este filme como uma de suas obras principais.
Paris nos pertence (1961), de Jacques Rivette
Com a morte de um dos membros de um grupo de intelectuais, aumenta-se a suspeita de uma conspiração criminosa que intencionava escravizar toda a humanidade. O enredo levanta questões como paranóia, ansiedade e a insegurança que pode afligir o ser humano em um contexto de incertezas. O filme conta com atuações especiais dos próprios cineastas do movimento como Godard, Chabrol e o próprio Rivette.
Cléo das 5 às 7 (1962), de Ágnes Varda
Nesta obra renomada de Varda, o enredo gira em torno de Cleo que, das cinco às sete horas, anda pela cidade de Paris enquanto espera o resultado de um exame para saber se de fato está com câncer. Em meio a pensamentos tão complexos, cruza o caminho de Antoine, um militar que está prestes a sair do país.
Se você gostou de conhecer parte da história do cinema francês, aproveite e confira o texto sobre a História do cinema brasileiro e aprimore os seus conhecimentos.
Referências
A história do cinema para quem tem pressa (2018) – Celso Sabadin;
Nouvelle vague – Alfredo Manevy in História do cinema mundial (2008) – Fernando Mascarello (org.);
Dicionário teórico e crítico de cinema (2010) – Jacques Aumont e Michel Marie.
Por Alyson Santos
Professor, mestre em Letras, especialista em Cinema e Linguagem Audiovisual e História do Cinema.
Santos, Alyson. Nouvelle Vague. Todo Estudo. Disponível em: https://www.todoestudo.com.br/artes/nouvelle-vague. Acesso em: 23 de November de 2024.