Carolina Maria de Jesus mostrou ao Brasil que a literatura é para todos. Com sua pouca escolaridade, mas amplo repertório de conhecimento, a autora escreveu uma obra de impacto social frente às denúncias de marginalização, racismo, violências físicas e simbólicas aplicadas contra a população pobre no Brasil. Conheça a seguir uma das escritoras mais importantes do país.
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Biografia
Carolina Maria de Jesus (Sacramento, 1914 — São Paulo, 1977) foi uma escritora e compositora brasileira. Nasceu em uma comunidade rural de Minas Gerais, seus pais eram pobres e analfabetos, mas Carolina conseguiu aprender a ler e a escrever. Migrou sozinha para a cidade de São Paulo e trabalhou na casa de um cardiologista onde lia os livros da biblioteca durante as folgas.
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Aos 33 anos, instalou-se na favela do Canindé, onde construiu o seu barraco e criou solo os seus três filhos como catadora de papel. Carolina lia muitos dos jornais, revistas e livros que recolhia, logo, possuía um intenso conhecimento político. Ela também guardava os cadernos que ainda poderiam ser aproveitados e escrevia neles. Foi através desses cadernos que o jornalista Audálio Dantas descobriu Carolina ao fazer uma reportagem na favela.
Audálio viu os diários de Carolina e ficou encantado com o retrato tão fiel daquela realidade, então, passou a reproduzir trechos dos diários em jornais e, depois, organizou o livro Quarto de despejo. A obra fez muito sucesso, mas Carolina enfrentou uma luta para ser reconhecida como escritora, sofrendo preconceitos em função de gênero, raça e classe social, tanto que não teve sucesso nas publicações posteriores e faleceu pobre de insuficiência respiratória.
Importância de Carolina Maria de Jesus
O fato de uma mulher negra, pobre e favelada publicar um livro chamou a atenção do Brasil e do mundo. A primeira edição de Quarto de despejo esgotou na primeira semana e chegou a vender 100 mil cópias, algo inimaginável para qualquer autor brasileiro na época. Assim, Carolina abriu os caminhos da literatura marginal no país, representando e apresentando um Brasil esquecido pelas políticas públicas e pelos direitos humanos.
Obras e poemas
Carolina escreveu muito, desde diários, narrativas, poemas até canções. Ela gravou, inclusive, um disco com 12 composições autorais. Conheça algumas de suas obras a seguir:
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Quarto de despejo
Quarto de Despejo: Diário de uma favelada (1960) retrata o cotidiano de Carolina na favela do Canindé e em suas andanças pela cidade de São Paulo. A autora descreve um cenário de múltiplas violências aplicadas as pessoas pobres na década de 1950. Desigualdade, racismo, dor, solidão e tristeza são alguns temas recorrentes na obra e, de tão presente, a fome acaba virando um assunto central e ganhando a cor amarela.
Diário de Bitita
O Diário de Bitita foi publicado postumamente, em 1982, na França e somente anos depois foi lançado no Brasil. Antes de morrer, a autora entregou os manuscritos da obra para a jornalista Clélia Pisa que organizou a publicação francesa. Carolina era chamada de Bitita quando criança e no livro ela conta episódios de sua infância, adolescência e início da vida adulta em Minas Gerais.
Veja outros títulos da Carolina Maria de Jesus:
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- Casa de Alvenaria: diário de uma ex-favelada (1961);
- Pedaços da Fome (1963);
- Provérbios (1963);
- Um Brasil para Brasileiros (1982);
- Meu Estranho Diário (1996);
- Antologia Pessoal (1996);
- Onde estaes felicidade? (2014);
- Meu sonho é escrever – Contos inéditos e outros escritos (2018).
Agora que você já conhece as obras de Carolina, confira um pouco de sua escrita a seguir!
7 frases de Carolina Maria de Jesus
Separamos algumas frases e trechos dos livros de Carolina que mostram a importância dessa literatura para o Brasil:
- “Eu disse: o meu Sonho é escrever! Responde o branco: ela é louca. O que as negras devem fazer… É ir pro tanque lavar roupa.” (Trecho de Antologia pessoal)
- “Quem inventou a fome são os que comem.” (Frase de Quarto de Despejo).
- “A tontura da fome é pior que a do álcool, porque a do álcool faz cantar.” (Frase de Quarto de Despejo)
- “O Brasil precisa ser dirigido por uma pessoa que já passou fome. A fome também é professora. Quem passa fome aprende a pensar no próximo.” (Trecho de Quarto de Despejo)
- “Eu classifico São Paulo assim: O Palacio, é a sala de visita. A Prefeitura é a sala de jantar e a cidade é o jardim. E a favela é o quintal onde jogam os lixos.” (Trecho de Quarto de Despejo)
- “Os pretos tinham pavor dos policiais, que os perseguiam. Para mim aquelas cenas eram semelhantes aos gatos correndo dos cães. Os brancos, que eram os donos do Brasil, não defendiam os negros. Apenas sorriam achando graça de ver os negros correndo de um lado para outro. Procurando um refúgio, para não serem atingidos por uma bala.” (Trecho de Diário de Bitita)
- “Escrevo a miséria e a vida infausta dos favelados. Eu era revoltada, não acreditava em ninguém. Odiava os políticos e os patrões, porque o meu sonho era escrever e o pobre não pode ter ideal nobre. Eu sabia que ia angariar inimigos, porque ninguém está habituado a esse tipo de literatura. Seja o que Deus quiser. Eu escrevi a realidade.”
Conforme você viu, Carolina tinha um olhar muito crítico sobre a sociedade e denunciava as injustiças em sua literatura.
Vídeos sobre um Brasil de Carolina
Para ampliar seus conhecimentos, separamos três vídeos com diversos detalhes sobre a vida e o conteúdo abordado em duas obras de Carolina Maria de Jesus. Acompanhe:
A vida Carolina Maria de Jesus
A Tati Leite conta detalhes sobre a história de vida de Carolina Maria de Jesus, explorando sua consciência sociopolítica, seu processo de escrita e de inserção no universo literário, além dos desafios que a autora enfrentou. Confira!
Quarto de despejo: uma obra-prima
Neste vídeo, a Tatiana Feltrin apresenta sua leitura sobre a obra Quarto de Despejo, realizando uma contextualização sobre a escolha das entradas do diário de Carolina e os aspectos linguísticos do livro, além de resumir alguns pontos principais da obra.
Diário de Bitita
Patrícia Anunciada mostra como Carolina descreve os anos iniciais de sua vida no Diário de Bitita, falando sobre a sua família e a sua infância, além de episódios de racismo, humilhação e opressão que viveu e que observou em Minas Gerais. Não deixe de conferir o vídeo!
Quer conhecer outra importante escritora negra que retratou o Brasil? Leia a nossa matéria sobre Maria Firmina dos Reis.
Referências
Carolina Maria de Jesus: emblema do silêncio (1998) – José Carlos Sebebom Meihy
Diário de Bitita: a infância de Carolina de Jesus em um Brasil pós-abolição (2019) – Tânia Seles
Os escritos de Carolina Maria de Jesus: determinações e imaginário (2006) – Marília Novais da Mata Machado
Por Érica Paiva Rosa
Professora, redatora e produtora cultural. Mestre em Letras pela UEM.
Paiva Rosa, Érica. Carolina Maria de Jesus. Todo Estudo. Disponível em: https://www.todoestudo.com.br/literatura/carolina-maria-de-jesus. Acesso em: 23 de November de 2024.
1. [UNICAMP]
“…Nas ruas e casas comerciais já se vê as faixas indicando os nomes dos futuros deputados. Alguns nomes já são conhecidos. São reincidentes que já foram preteridos nas urnas. Mas o povo não está interessado nas eleições, que é o cavalo de Troia que aparece de quatro em quatro anos.”
(Carolina Maria de Jesus, Quarto de despejo. São Paulo: Ática, 2014, p. 43.)
O trecho anterior faz parte das considerações políticas que aparecem repetidamente em Quarto de despejo, de Carolina Maria de Jesus. Considerando o conjunto dessas observações, indique a alternativa que resume de modo adequado a posição da autora sobre a lógica política das eleições.
a) Por meio das eleições, políticos de determinados partidos acabam se perpetuando no exercício do poder.
b) Os políticos se aproximam do povo e, depois das eleições, se esquecem dos compromissos assumidos.
c) Os políticos preteridos são aqueles que acabam vencendo as eleições, por força de sua persistência.
d) Graças ao desinteresse do povo, os políticos se apropriam do Estado, contrariando a própria democracia.
Resposta: B
Justificativa: Na obra, Carolina faz duras críticas a postura dos políticos. Um exemplo, extraído da obra, que integra que ilustra isso está no dia 20 de maio de 1956: “… quando um político diz nos seus discursos que está ao lado do povo, que visa incluir-se na política para melhorar as nossas condições de vida pedindo o nosso voto prometendo congelar os preços, já está ciente que abordando este grave problema ele vence nas urnas. Depois divorcia-se do povo. Olha o povo com os olhos semi-cerrados. Com um orgulho que fere a nossa sensibilidade.”
2. [UFRGS]
Leia este trecho de Quarto de despejo, de Carolina Maria de Jesus.
“18 de dezembro… Eu estava escrevendo. Ela perguntou-me:
– Dona Carolina, eu estou neste livro? Deixa eu ver!
– Não. Quem vai ler isto é o senhor Audálio Dantas, que vai publicá-lo.
– E porque é que eu estou nisto?
– Você está aqui por que naquele dia que o Armin brigou com você e começou a bater-te, você saiu correndo nua para a rua.
Ela não gostou e disse-me:
– O que é que a senhora ganha com isto?
… Resolvi entrar para dentro de casa. Olhei o céu com suas nuvens negras que estavam prestes a transformar-se em chuva.”
Considere as seguintes afirmações sobre o trecho acima.
I – Está presente no fragmento uma tensão que perpassa o conjunto do livro: ao mesmo tempo em que se apropria da experiência de pobreza e violência da favela, Carolina quer diferenciar-se dela.
II – Audálio Dantas aparece como figura que representa oportunidade de publicação e autoridade letrada.
III- Aparece no fragmento uma alternância narrativa que marca Quarto de despejo: do dia a dia inclemente na favela para certa linguagem literária idealizada por Carolina.
Quais estão corretas?
A) Apenas I.
B) Apenas II.
C) Apenas III.
D) Apenas I e III.
E) I, II e III.
Resposta: E
Justificativa: Todas as alterativas apresentam informações corretas. Carolina escreve sobre a vida cotidiana da favela e sempre demonstra sua vontade de sair dela, nesse sentido, o jornalista Audálio representa uma oportunidade de publicação e mudança de vida para Carolina. Já a alternância narrativa pode ser verificada no último trecho do excerto em que Carolina deixa de descrever os acontecimentos da favela e encerra o assunto com sua linguagem reflexiva.