Mia Couto (1955 -) nasceu em Moçambique, é filho de emigrantes portugueses e biólogo de formação. Atualmente, é o escritor moçambicano mais traduzido no exterior, publicado em cerca de 24 países. Escreveu prosa e poesia, mas sua obra mais conhecida é o romance Terra Sonâmbula (1992), considerado um dos melhores livros africanos do século XX.
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Biografia: Mia Couto
A literatura de Mia Couto é muito conhecida por representar o processo de miscigenação advindo sobretudo do colonialismo português na África. Também aponta em suas narrativas o choque cultural resultante dessas questões identitárias. Seu contato com a literatura se deu muito cedo: aos 14 anos publicou seu primeiro livro, que era de poesia.
Especula-se que o contato do escritor com o mundo intelectual e cultural se deu graças ao seu pai, que era jornalista e poeta. Contudo, entre 1974 e 1985, foi jornalista e depois se dedicou à Biologia e Ecologia. Tornou-se professor e desenvolveu inúmeros projetos em sua área de atuação.
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Seu trabalho como biólogo lhe permitiu compreender de que modo os mitos, lendas e crenças influenciam as pessoas no uso de recursos naturais. Nesse sentido, passou a olhar mais atentamente para a relação das populações com a terra em que vivem e transformou isso em matéria literária, tanto na prosa quanto na poesia.
A literatura de Mia Couto se baseia na troca de experiências étnicas e culturais, sobretudo em Moçambique, que passou pelo processo de colonização portuguesa. O país do autor é representado como sendo portador de culturas e costumes de diversos povos, mas, além disso, trata-se de uma matriz cultural repleta de ancestralidade.
Também é recorrente na obra do autor a presença da crítica social, não só em relação ao processo de colonização de seu país, mas também é retratada a guerra de independência e guerra civil. Sua obra, como um todo, aborda o resgate de tradições no período pré-colonial e também as marcas culturais, políticas e linguísticas do período pós-colonial.
Estilo literário
No que diz respeito ao estilo literário de Mia Couto, pode-se dizer que seus textos são permeados por uma série de inovações linguísticas, os neologismos. Além disso, retoma arcaísmos e palavras de diversas regiões de Moçambique, gerando uma polifonia de vozes. Tais características são observáveis em romances como A varanda do Frangipani (1996) e Confissão da Leoa (2012).
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Outro ponto importante é a falta de fronteiras escancaradas entre o que é prosa e poesia. Suas narrativas, sejam romances ou contos, são denominadas por muito críticos como prosas poéticas. Um exemplo é o romance Terra Sonâmbula, que abordaremos logo a seguir.
Obras
O escritor Mia Couto estreou na poesia, no entanto tem uma vasta produção de romances. Publicou também livros de crônicas e infantis. Conheça algumas de suas narrativas:
- Vozes Anoitecidas (1987)
- Terra Sonâmbula (1992)
- Estórias Abensonhadas (1994)
- O Último Voo do Flamingo (2000)
- O Fio das Missangas (2003)
- O Outro Pé da Sereia (2006)
- A confissão da leoa (2012)
- Vagas e lumes (2014)
Terra Sonâmbula
Esse é o primeiro romance de Mia Couto, publicado em 1992. O livro aborda os horrores da guerra civil que durou 16 anos em Moçambique, deixando marcas profundas, principalmente em seus habitantes, da falta de memória à perda de um filho.
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Nessa obra, o escritor mescla fatos históricos com elementos surreais, como nas conversas entre o personagem Kindzu e o fantasma de seu pai, sobre a vida e a terra. É uma narrativa sobre dores, ausências e destruição em um país assolado pela guerra.
A confissão da leoa
Outro livro famoso de Mia Couto é Confissão da Leoa, em que uma aldeia de Moçambique é atacada por leões, sendo as mulheres as maiores vítimas. Um caçador é enviado da capital para a região a fim de controlar a situação, mas ao chegar ao local lida com uma série de relações complexas, nas quais mitos e lendas se misturam.
Ao se depararem com as feras, os personagens têm de enfrentar seus próprios fantasmas e medo. Além disso, a situação crítica mostra contradições da comunidade e suas relações de poder.
A produção narrativa de Mia Couto é marcante, todavia não podemos deixar de mencionar seus poemas. Dentre algumas de suas publicações estão: Raiz de Orvalho e outros poemas (1999), Idades, cidades, divindades (2007) e Tradutor de Chuvas 2011. Leia, a seguir, dois poemas do escritor:
Identidade
Preciso ser um outro
Para ser eu mesmo
Sou grão de rocha
Sou o vento que desgasta
Sou pólen sem inseto
Sou areia sustentando
O sexo das árvores
Existo onde me desconheço
Aguardando pelo meu passado
Ansiando a esperança do futuro
No mundo que combato morro
No mundo por que luto nasço.
(COUTO, Mia. Raiz de orvalho e outros poemas. Lisboa: Editorial Caminho, 1999.)
A demora
O amor nos condena:
demoras
mesmo quando chegas antes.
Porque não é no tempo que eu te espero.Espero-te antes de haver vida
e és tu quem faz nascer os dias.Quando chegas
já não sou senão saudade
e as flores
tombam-me dos braços
para dar cor ao chão em que te ergues.Perdido o lugar
em que te aguardo,
só me resta água no lábio
para aplacar a tua sede.Envelhecida a palavra,
tomo a lua por minha boca
e a noite, já sem voz
se vai despindo em ti.O teu vestido tomba
e é uma nuvem.
O teu corpo se deita no meu,
um rio se vai aguando até ser mar.
(COUTO, Mia. Idades cidades divindades. Lisboa: Editorial Caminho, 2007.)
Com uma obra muito vasta e cheia de poesia, Mia Couto consegue facilmente nos tocar com seus textos. Conheça mais sobre suas obras nos tópicos seguintes.
Cinco frases de obras literárias de Mia Couto
Agora que você conhece as produções narrativas e poéticas de Mia Couto, confira algumas frases de sua autoria.
- O suficiente é para quem não ama. No amor, só existem infinitos. (Trecho de Venenos de Deus, Remédios do Diabo)
- O que é perder-se? Muita gente, acreditando ter a certeira direção, nasce já equivocada.(Trecho de Terra Sonâmbula)
- Cada um descobre o seu anjo, tendo um caso com o demônio. (Trecho de Um Rio Chamado Tempo, Uma Casa Chamada Terra)
- A vida, para ele, era um rio comportado. A felicidade era o prenúncio da inundação. (Trecho de Outro pé da sereia)
- As ruínas de uma nação começam no lar do pequeno cidadão. (Trecho de O último voo do flamingo)
Nos trechos acima você pôde ter um contato maior com a literatura de Mia Couto. Agora, aprofunde seus conhecimentos por meio dos vídeos abaixo.
Vídeos sobre Mia Couto e suas obras
Assista aos vídeos a seguir para conhecer um pouco mais sobre a vida a a produção literária de uma dos maiores escritores moçambicanos.
Literatura e Língua Portuguesa
Nesta entrevista, Mia Couto fala sobre a língua portuguesa utilizada em Moçambique e no Brasil, e como nosso país influenciou o uso da língua na África.
O enredo de Terra Sonâmbula
Confira neste vídeo temas como perdas, sofrimento e guerra, assuntos abordados em Terra Sonâmbula, livro cobrado na Fuvest – Unicamp.
Temas de A confissão da leoa
Neste vídeo você conhecerá os temas abordados em A confissão da leoa, como opressão e a força das mulheres, contados pelo próprio Mia Couto.
Agora que você já conhece Mia Couto e os temas mais discutidos em sua produção literária aprofunde seus conhecimentos sobre literatura africana: Literatura Africana.
Por Estela Santos
Doutoranda em Letras - Estudos Literários (UEM), professora, redatora e mediadora do #LeiaMulheres - Maringá.
Santos, Estela Pereira dos. Mia Couto. Todo Estudo. Disponível em: https://www.todoestudo.com.br/literatura/mia-couto. Acesso em: 23 de November de 2024.
1. [UFGD]
Leia os seguintes trechos de Terra sonâmbula, de Mia Couto, publicado pela Editora Caminho em 1992.
I. “Quero pôr os tempos, em sua mansa ordem, conforme esperas e sofrências. Mas as lembranças desobedecem, entre a vontade de serem nada e o gosto de me roubarem do presente. Acendo a estória, me apago a mim. No fim destes escritos, serei de novo uma sombra sem voz”(p. 15).
II. “Deixei o caminho antigo da casa, olhei a paisagem, o paciente verde. Meus olhos derretiam aquelas visões, fosse para guardar o passado em navegáveis águas. Era noite quando a canoa desatou o caminho. O escuro me fechava, apagando os lugares que foram meus. Sem que eu soubesse começava uma viagem que iria matar certezas da minha infância” (p.34).
A propósito desses fragmentos, assinale a alternativa correta.
A) Em I, o narrador em 3ª pessoa inicia o relato realista da guerra civil em Moçambique.
B) Em I, as lembranças de Kindzu submetem-se tranquilamente à ?mansa ordem? da escrita.
C) Em II, Muidinga descreve como começou sua viagem ao lado de Tuahir.
D) Em II, Kindzu observa a paisagem de sua infância a fim de poder voltar a ela mais tarde, em lembrança.
E) Em I e II, Muidinga relata seu amadurecimento durante a leitura dos cadernos de Kindzu.
Resposta correta: D.
O personagem Kindzu olha atentamente a paisagem de sua infância, ao mesmo tempo em que deseja voltar a ela futuramente, mesmo que seja por meio da lembrança.
2. [UFT]
Leia o fragmento de Terra Sonâmbula, do escritor moçambicano Mia Couto, para responder a QUESTÃO.
Naquele lugar, a guerra tinha morto a estrada. Pelos caminhos só as hienas se arrastavam, focinhando entre cinzas e poeiras. A paisagem se mestiçara de tristezas nunca vistas, em cores que se pegavam à boca. Eram cores sujas, tão sujas que tinham perdido toda a leveza, esquecidas da ousadia de levantar asas pelo azul. Aqui, o céu se tornara impossível. E os viventes se acostumaram ao chão, em resignada aprendizagem da morte […].
(COUTO, Mia. Terra sonâmbula. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 9.)
Observando a passagem do romance, é CORRETO afirmar que
A) no trecho “Eram cores sujas, tão sujas que tinham perdido toda a leveza, esquecidas da ousadia de levantar asas pelo azul. ”, o narrador utiliza uma linguagem objetiva.
B) no trecho “Naquele lugar, a guerra tinha morto a estrada”, o narrador trata da reconstrução de lugares que passaram por alguma guerra.
C) no trecho “E os viventes se acostumaram ao chão, em resignada aprendizagem da morte”, o narrador descreve o que pode acontecer com as pessoas e outros seres na guerra.
D) no trecho “A paisagem se mestiçara de tristezas nunca vistas (…)”, o narrador retrata um cenário de esperança futura.
Resposta correta: C.
No trecho, Mia Couto aborda um tema central da obra Terra Sonâmbula: a guerra civil. Conforme o narrador nos conta, as pessoas já estavam acostumadas à guerra, de tanto conviver com ela diariamente, vendo-a levar entes queridos.