Fauvismo

Os fauvistas concebiam o quadro como estrutura autônoma e davam ênfase à expressividade, fazendo uso inovador da cor

O grupo de pintores que passou a ser chamado Les fauves (“As feras”, em francês) concebia o quadro como estrutura autônoma que não representava a realidade, mas era, por si, uma realidade. Davam ênfase à expressividade e faziam uso inovador da cor, refletido na escolha livre de tons puros, não mesclados, e na sua manipulação arbitrária, nas pinceladas soltas, o que implicava no achatamento das superfícies pintadas. Henri Matisse geralmente é visto como líder do fauvismo, em torno do qual orbitavam, dentre outros, André Derain e Henri Manguin.

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Um modesto prelúdio

Ao considerarmos a história da arte, afigura-se pouco proveitoso entendê-la como sendo a do progresso na proficiência técnica. Para o historiador da arte E. F. Gombrich, trata-se de uma história de ideias, concepções e necessidades cujo desenvolvimento é contínuo. Tal entendimento preliminar se faz fundamental para apreciarmos, por exemplo, o caso das vanguardas.

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Quando temos em vista a arte moderna, não raro julgamos se tratar de ruptura total com as tradições do passado, uma tentativa de realizar coisas que nenhum artista idealizaria em tempos idos. Por vezes o que está mesmo em jogo é a ideia de progresso ou ainda o saudosismo, resultando daí o juízo de valor com relação à correção ou à inovação.

É importante reconhecer o papel que experimentos desempenharam no desenvolvimento de projetos que hoje, inclusive, são reputados como algo usual. Aqueles aplicados à pintura por revolucionários ultramodernos acabaram se tornando, em alguma medida, triviais. Gombrich observa que esses esquemas de formas e cores, quando vistos em capas de revistas ou estampados em tecidos, parecem-nos comuns.

Um dos méritos desses que chamamos revolucionários foi pôr em cheque uma noção de representação. As ideias de beleza ideal e fidelidade à natureza indiciavam uma trincheira de convencionalismos, por assim dizer, de maneira que artistas acabavam por aplicar sistemas fixados, em prejuízo da expressividade.

Se tomarmos como legítima a questão da expressão, em vez da mera representação ilusionista da natureza, podemos chegar à compreensão de que a mesma pode ser processada por meio de tons e formas, sem depender de uma temática pré-estabelecida. Nesse sentido, faz-se sentir o legado de Van Gogh e Gauguin, que incitaram a renúncia a um superficialismo virtuoso e a franqueza com relação às formas e aos esquemas de cores.

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Veremos que decorrem disso a decomposição da figura (e aí temos a experiência exemplar do cubismo), bem como a simplificação da forma, além de um renovado uso da cor. Poderíamos falar também na rejeição da perspectiva, bem como das técnicas de modelagem e dos jogos convencionais de sombra e luz.

As feras

Em 1905, um grupo de jovens expôs no Salão dos Independentes, em Paris, e também no Salão de Outono. O crítico Louis Vauxcelles chamou-os fauves, selvagens ou feras em francês. Tal epíteto se deveu ao patente desprezo pelas formas da natureza e ao emprego de cores intensas. O mais célebre do grupo, Henri Matisse, possuía notável talento para o que poderíamos classificar como simplificação decorativa.

Assim como Matisse, os fauvistas Albert Marquet e Georges Rouault haviam sido alunos do artista simbolista Gustave Moreau, que preconizava a expressão pessoal como característica fundamental de um grande pintor.

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Poderíamos dizer que foram inspirados pela maneira como Paul Cézanne, pintor pós-impressionista, explorou a solidez, no sentido de que, segundo ele, a natureza deveria ser observada em termos de esferas, cones e cilindros. Também devemos considerar a influência de Van Gogh e de suas pinceladas expressivas, bem como a de Georges Seurat, pintor pioneiro do movimento pontilhista, e seu uso de cores puras justapostas.

Matisse frequentemente é tido como líder do movimento fauvista. Os outros artistas do grupo o seguiram no que diz respeito ao uso de cores intensas, de maneira arrojada, a fim de lograr e delinear aura positiva, estimulante, bem como estabelecer um senso de estrutura desvinculado da reprodução direta da realidade, renegando, dessa forma, a pretensão de seus precursores de conceber imagens realistas.As formas simplificadas que daí resultavam e as cores saturadas chamavam a atenção para as superfícies sem profundidade. As reações emocionais e a intuição eram reputadas mais relevantes do que teorias acadêmicas ou temas elevados.

Nas telas, zonas lisas, iluminadas pelos vermelhos, azuis e alaranjados eram engendradas pelas pinceladas nítidas. Como afirma Matisse a respeito de A Dança (1910): “para o céu um belo azul, o mais azul dos azuis, e o mesmo vale para o verde da terra, para o vermelhão vibrante dos corpos”.

La danse (A dança), Henri Matisse, 1910, óleo sobre tela, 260 cm × 391 cm | Museu Hermitage, São Petersburgo.

Só uma fase?

O Fauvismo, diferentemente de outras vanguardas europeias que vicejaram entre fins do século XIX e a Primeira Guerra Mundial, não foi uma escola assentada em manifestos ou em um programa bem definido. Para boa parte dos artistas que aderiram a esse novo estilo expressivo, presente na França entre 1905 e 1907, o mesmo representou, sobretudo, uma fase em suas obras. Essa organização informal, no entanto, não minimiza o impacto das inovações empreendidas pelos fauvistas.

De maneira resumida, portanto, poderíamos dizer que esses pintores franceses optaram pela cor, pela luz, pelos cenários decorativos e, em última análise, pela expressão da alegria. O quadro de Matisse Alegria de viver (1906) revela peculiaridades da atitude estética fauvista. Deparamos, nele, a comunhão amorosa das gentes entre si e com a natureza, tematizada em cena idílica povoada pelo movimento sinuoso dos corpos nus, em que ressaltam as linhas e as cores brilhantes. O aspecto decorativo assim como o lirismo presente nessa composição serão elementos explorados pelo pintor, não apenas nas paisagens, mas também em cenas interiores.

Le bonheur de vivre (A alegria de viver), Henri Matisse, 1906, óleo sobre tela, 238,1 x 174 cm | Fundação Barnes, Filadélfia.

Fauvismo no Brasil

O legado dos fauvistas se faz sentir na genealogia dos movimentos expressionistas europeus que irão reverberar na arte das décadas de 1950 e de 1960 a partir do expressionismo abstrato. No Brasil, afigura-se improvável localizar influências especificamente fauvistas, embora alguns expoentes do movimento tenham sido vistos na exposição de arte francesa realizada em 1913, no Liceu de Artes e Ofícios em São Paulo.

Talvez seja mais profícuo pensarmos na repercussão de tendências expressionistas entre os artistas brasileiros, por exemplo na produção de Anita Malfatti entre 1915 e 1916, em obras como O japonês, A estudante russa e A boba, ou ainda em alguns trabalhos de Oswaldo Goeldi. Poderíamos ainda pensar que Flávio de Carvalho e Iberê Camargo levaram a efeito novas possibilidades desdobradas pela experiência expressionista.

Para concluir, ainda observaríamos que, dentre o conjunto de variadas direções tomadas pela arte abstrata, aquela que prima pela expressão de impulsos individuais e pelo ritmo da cor atina com suas matrizes no expressionismo e no fauvismo.

A boba, Anita Malfatti, 1915-16, óleo sobre tela, 61cm x 50,6cm | Museu de Arte Contemporânea, USP, São Paulo

Henri Matisse

La desserte (A mesa de jantar), Henri Matisse, 1908, óleo sobre tela, 180 x 220 cm | Museu Hermitage, São Petersburgo

Henri-Émile-Benoît Matisse, pintor, escultor, desenhista e gravador, conhecido por suas ideias criativas e pelo uso de cores fortes, Matisse costuma ser considerado um dos artistas mais influentes do século XX.

Depois de ver obras dos impressionistas e de Van Gogh, Matisse começou a fazer experimentos com cores vivas e aplicação da tinta livremente. Possuía interesse em capturar cores não moduladas e radiantes. Dizia que desejava criar uma arte que fosse “um sedativo, um calmante mental, como uma boa poltrona”.

Dentre inúmeros predicados, poderíamos relevar o de desenhista capaz de concentrar uma forma à sua essência. Matisse concebeu uma maneira de unir cores e linhas em seu trabalho. A relação entre esses dois elementos formais pode ser rastreada desde trabalhos iniciais como A dança, que vimos acima, em que o flanco de um dançarino contra campos de azul e verde exuberantes é descrito em um único contorno em arco; até seus recortes tardios, como A piscina, na qual fica patente a solução do artista para, segundo ele, “cortar diretamente em cores vivas”.

La piscine (a) (A piscina), Henri Matisse, 1952, guache sobre papel, cortado e colado sobre papel pintado, 185.4 x 1653.3 cm | Museu de Arte Moderna, Nova York

Matisse nasceu em 1869, em Le Cateau-Cambrésis, cidade ao norte da França. Começou a pintar depois de ter estudado direito. Seu debute como artista, por assim dizer, ocorreu durante os verões de 1904 e 1905, quando a luz do sol do sul da França o inspirou, a ele e a seus colegas André Derain e Maurice de Vlaminck, a criar obras opticamente dinâmicas, de cores vivas e conflitantes, como vimos.

O trabalho desse período lhe traçou uma trajetória que durou toda sua carreira, e que ele descreveu como “construção por superfícies coloridas”. Essa abordagem permaneceu central nos vários estágios da obra de Matisse, desde suas rigorosas pinturas abstratas da década de 1910 até os interiores decorativos e ensolarados da década de 1920, até os recortes radicalmente inovadores de sua última década.

De acordo com o crítico Giulio Carlo Argan, de modo geral a obra de Matisse é empreendida a partir do intento de decorar, mas “não os templos, o palácio real e a casa dos senhores, e sim a vida dos homens”. Matisse morreu de ataque cardíaco aos 84 anos, em três de novembro de 1954.

Henri Matisse e sua escultura, La Serpentine, outono de 1909, Issy-les-Moulineaux | fotografia: Edward Steichen

Mais fauvistas

Albert Marquet (França, 1875-1947)

Reconhecido desenhista, além de pintor, notabilizado por suas representações de paisagens do ponto de vista de uma janela, sutilmente coloridas – a despeito de sua paleta nunca ter sido tão brilhante quanto as de seus colegas.

Lançando mão de pinceladas abreviadas para transmitir formas, o artista evocou condições climáticas e de luz ao mesmo tempo em que reteve a sensação de volume e de espaço. Seu amigo íntimo Henri Matisse certa vez comparou seu trabalho à simplicidade caligráfica encontrada nos trabalhos do pintor japonês Hokusai.

Vue de Paris avec Notre-Dame et le Vert-Galand (Vista de Paris com Notre-Dame e o Vert-Galand), Albert Marquet, ca. 1909, óleo sobre tela, 73.5 x 92 cm | Galeria Bailly, Geneva
Beau jour (Belo dia), Albert Marquet, 1945, óleo sobre tela, 60.5 x 73.5 cm | Galeria Bailly, Geneva

Maurice de Vlaminck (França, 1876-1958)

Autor de paisagens vibrantes, construídas, muitas vezes, com aplicação de tinta diretamente do tubo sobre a tela. Vlaminck era conhecido por seu temperamento impetuoso e por seus amplos interesses. Foi músico, ator, ciclista de corrida e romancista.

Era artista autodidata que evitava orgulhosamente o treinamento acadêmico. Em 1900, Vlaminck conheceu o pintor André Derain durante um acidente de trem, e os dois dividiram um estúdio de 1900 a 1901.

Em 1901, Vlaminck viu uma exposição de Van Gogh, e lhe impressionou sua poderosa pincelada, bem como o uso de cores intensas e não naturalistas. Nesse mesmo ano, Derain apresentou Vlaminck a Henri Matisse. Ele exibiu com Matisse e Derain em 1905 no Salão dos Independentes e na controversa exposição coletiva no Salão de Outono.

Restaurant de la Machine at Bougival (Restaurante), Maurice de Vlaminck, ca. 1905, óleo sobre tela, 81.5 x 60 cm | Museu d’Orsay, Paris

André Derain (França, 1880-1954)

Montagnes à Collioure (Montanhas em Collioure), André Derain, oléo sobre tela, 81.3 x 100.3 cm | Galeria Nacional de Arte, Washington

Pintor, escultor, gravador e designer, Derain estudou pintura em Paris na Académie Carriere de 1898 a 1899. Desenvolveu seu estilo inicial em associação com Maurice de Vlaminck, a quem conheceu em 1900, e com Henri Matisse, que fora colega de Derain na Académie Carriere. Juntamente com esses dois pintores, Derain foi um dos principais expoentes do fauvismo.

Derain passou o verão de 1905 com Matisse em Collioure, uma pequena vila no sul da França. Este foi um período crucial para o artista em que ele explorou técnicas do impressionismo e do pós-impressionismo e produziu pinturas como Mountanhas em Collioure.

Poderíamos dizer que seus trabalhos desse período assimilaram um assunto impressionista com uma técnica divisionista, quer dizer, um estilo definido pela separação de cores em pontos ou manchas individuais que interagiam oticamente, bem como com as paletas de cores ousadas de Van Gogh e de Gauguin.

Para dar prosseguimento aos estudos

Vimos, até aqui, breve exposição acerca do que fora o estilo ou, ainda, o movimento artístico assim chamado Fauvismo. Agora poderemos conferir seleção de vídeos que nos ajudarão a compreender melhor o assunto, bem como elaborá-lo:

Os fauvistas e o uso inovador da cor

Aqui se patenteia o ensejo de aprendermos mais, de maneira didática e bem-humorada, sobre como os fauvistas exploraram a cor.

Matisse em ação

No vídeo acima, revela-se a nós a rara oportunidade de vermos Matisse trabalhando.

As vanguardas europeias

De modo a termos noção mais ampla do contexto em que floresceu o Fauvismo, vale a pena o descobrimento do que tenham sido as vanguardas europeias.

Recapitulando

Como vimos, o Fauvismo foi um estilo de pintura que floresceu na França na virada do século XX. Os fauvistas faziam uso de cores puras e brilhantes, pintavam diretamente a partir da natureza, como os impressionistas tinham feito antes deles. Entretanto, as obras fauvistas foram investidas de forte reação expressiva relativamente aos temas retratados. Exibidas formalmente pela primeira vez em Paris em 1905, as pinturas fauvistas chocaram os visitantes do Salão anual de Outono.

O principal expoente do grupo fauvista foi Henri Matisse que acabou por desenvolver seu estilo depois de experimentar as várias abordagens pós-impressionistas de Paul Gauguin, de Vincent van Gogh e de Georges Seurat. Os estudos de Matisse levaram-no a rejeitar as representações tradicionais do espaço tridimensional e a procurar um novo espaço pictórico definido pelo movimento da cor. Assim, faz-se oportuno o convite para aprofundarmos nosso conhecimento sobre Arte Moderna e também sobre Vanguardas Europeias.

Referências

Arte moderna: do iluminismo aos movimentos contemporâneos – G. C. Argan
Breve História da Arte – Susie Hodge
Encyclopaedia Britannica
A História da Arte – F. H. Gombrich
MoMA-Museum of Modern Art (moma.org)

Jefferson Dias
Por Jefferson Dias

Autor dos livros de poesia Último festim (2013), Silenciosa maneira (2015) e Qualquer lugar (2020). Tem poemas, contos, traduções e resenhas publicados em periódicos e portais de literatura do Brasil e de Portugal. Formado em Letras pela Universidade Federal de São Carlos - UFSCar.

Como referenciar este conteúdo

Dias, Jefferson. Fauvismo. Todo Estudo. Disponível em: https://www.todoestudo.com.br/artes/fauvismo. Acesso em: 23 de November de 2024.

Exercícios resolvidos

1. [UEL (adaptada)]

Observe atentamente a tela de Matisse, A dança, de 1910, reproduzida acima.
Com base na pintura e nos conhecimentos sobre as vanguardas europeias, considere as afirmativas a seguir.

I. Matisse utiliza o equilíbrio entre a cor e o traço; a aparente simplicidade reitera certo lirismo da pintura.

II. Os trabalhos de Matisse fazem parte de um contexto caracterizado por experimentações para transcender a natureza.

III. A pintura faz parte de um momento da pesquisa artística de Matisse em que buscava uma rígida estruturação formal em suas composições.

IV. Nessa imagem, Matisse expressou sentimentos dramáticos, tais como a solidão, a morte e o abandono, notados nos elementos compositivos.

Assinale a alternativa correta:
A – Somente as afirmativas I e II são corretas.

B – Somente as afirmativas I e IV são corretas.

C – Somente as afirmativas III e IV são corretas.

D – Somente as afirmativas I, II e III são corretas.

E – Somente as afirmativas II, III e IV são corretas.

Resposta: A.

Matisse, um dos maiores expoentes do fauvismo, como vimos, de fato desenvolveu uma maneira de unir cores e linhas em seu trabalho; a relação entre esses dois elementos formais pode ser rastreada do início ao fim de sua carreira.
A cena da dança transmite ideia positiva, de simplicidade idílica.
Vimos também que eram características dos trabalhos fauvistas o desprezo pelas formas da natureza e o emprego de cores intensas.

2. [Prefeitura de Nova Itaberaba - SC (adaptada)]

O Fauvismo é caracterizado por:

a) Uso de cores intensas.
b) Geometrização das formas.
c) Propaganda como principal forma de comunicação.
d) Desvalorização da tradição e do moralismo.
e) Uso de onomatopeias.

Resposta: a).

De acordo com o que temos visto, o uso de cores intensas para descrever a luz e o espaço e, desse modo, transmitir atmosfera estimulante, é uma característica fundamental, patente nas obras dos pintores fauvistas, que renegaram a pretensão de seus precursores de conceber imagens realistas.
As formas simplificadas resultantes e as cores saturadas chamavam a atenção para as superfícies sem profundidade. As reações emocionais e a intuição eram reputadas mais relevantes do que teorias acadêmicas ou temas elevados.

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