Oswald de Andrade

Notável introdutor do Modernismo no Brasil e articulador da Semana de Arte Moderna de 1922, sua atuação é considerada fundamental na cultura brasileira da primeira metade do século 20.

Oswald escreveu os manifestos da Poesia Pau-Brasil (1924) e Antropófago (1928), basilares para o Modernismo no Brasil. Publicou, dentre outros, o experimental Memórias sentimentais de João Miramar (1924) – “a mais alegre das destruições”, segundo Mário de Andrade –, e Pau Brasil (1925), exemplar da contradição fundante do movimento modernista brasileiro: o intento simultaneamente renovador da estética e perscrutador de uma tradição nacional.

Publicidade

Vida e Obra de Oswald de Andrade

Oswald de Andrade em 1954. Sem autoria.

José Oswald de Souza Andrade nasceu no dia 11 de janeiro de 1890, em São Paulo. De família abastada, filho único, passou a primeira infância em uma casa confortável na rua Barão de Itapetininga. Pelo lado materno, descendia de uma das famílias fundadoras do Pará; pelo paterno, de família de fazendeiros mineiros de Baependi. Passou a frequentar, em 1905, o tradicional Colégio de São Bento de ensino religioso, onde travou primeira amizade com o escritor Guilherme de Almeida, precursor do haikai no Brasil.

Relacionadas

Modernismo no Brasil
O Modernismo brasileiro foi um amplo movimento focado na renovação cultural do Brasil, com ênfase na criação de uma consciência nacional e na quebra de paradigmas artísticos.
Mário de Andrade
Mário de Andrade foi um dos escritores percursores do modernismo no Brasil.
Arte Moderna
A Arte Moderna significou uma grande mudança nos padrões artísticos, primeiro na Europa do século XX e depois no mundo afora.

Ingressou na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco em 1909, mesmo ano em que se iniciou profissionalmente no jornalismo, escrevendo para o Diário Popular. Em agosto de 1911, lançou o semanário O Pirralho, no qual assinou a seção “As cartas d’abaixo pigues” com o pseudônimo Annibale Scipione; ao final desse mesmo ano, descontinuou os estudos na Faculdade de Direito. Em 1912, embarcou no porto de Santos, rumo ao continente Europeu; entrou em contato com a boemia estudantil de Paris e inteirou-se do futurismo italiano. Trabalhou como correspondente do Correio da manhã. Na capital francesa, conheceu Henriette Denise Boufflers, a Kamiá, sua primeira esposa e mãe de seu primogênito, José Oswald Antônio de Andrade, o Nonê (nascido a 14 de janeiro de 1914).

Em 1913, conheceu o pintor Lasar Segall. Em 1915, participou de almoço promovido por alunos da Faculdade de Direito em homenagem a Olavo Bilac. Em 1916, retomou os estudos na Faculdade de Direito e trabalhou como redator do diário O Jornal; em 17 e 31 de agosto, publicou trechos do futuro romance Memórias sentimentais de João Miramar em A Cigarra, bem como em O Pirralho e em A Vida Moderna; também em 1916 tornou-se redator do Jornal do Commercio e escreveu o drama O filho do sonho.

Conheceu Mário de Andrade e o pintor Di Cavalcanti em 1917; formou o primeiro grupo modernista com eles, Guilherme de Almeida e Ribeiro Couto. Foi nesse ano que alugou a famigerada garçonnière da rua Líbero Badaró, nº 67; o pequeno apartamento, não raro referido em seus livros e em estudos sobre o modernismo, bem como o “Diário da garçonnière” produzido por seus frequentadores, podem ser vistos como marco inicial do que viria a ser a Semana de Arte Moderna. Entre 1917 e 1918 Oswald recebeu, nesse endereço, personalidades como Menotti del Picchia, Monteiro Lobato, Guilherme de Almeida, entre outras proeminentes figuras do jornalismo e da literatura da São Paulo da época; registra-se ainda a presença marcante de Maria de Lourdes Castro Dolzani, a Miss Cyclone, com quem Oswald manteve relação amorosa.

Em janeiro de 1918, publicou o artigo “A exposição Anita Malfatti” no Jornal do Commercio, no qual intercedeu em favor da arte expressionista como resposta à crítica de Monteiro Lobato, intitulada “Paranoia ou mistificação” e publicada em O Estado de S. Paulo no ano anterior. Ainda em 1918, encerrou a publicação de O Pirralho. Em 1919 casou-se com Maria de Lourdes – hospitalizada por conta de um aborto malsucedido – que viria a falecer poucos dias depois. Nesse mesmo ano, concluiu o bacharelado em Direito.

Publicidade

A Semana de Arte Moderna de 1922

Almoço de escritores integrantes da Semana de 22, no Hotel Terminus, em 1924; Paulo Prado ao centro; Oswald à frente (sentado no chão) e Mário de Andrade (em pé) na terceira fila, à esquerda. Fonte: Arquivo/Agência Brasil.

Em janeiro de 1922, O Estado de S. Paulo noticiava: “por iniciativa do festejado escritor, sr. Graça Aranha, da Academia Brasileira de Letras, haverá em S. Paulo uma ‘Semana de Arte Moderna’, em que tomarão parte os artistas que, em nosso meio, representam as mais modernas correntes artísticas” contando com exposição de pinturas e esculturas e três espetáculos durante a semana de 11 a 18 de fevereiro. Dentre os participantes do evento, a notícia enumerava: Guilherme de Almeida, Renato Almeida, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Luís Aranha, Elísio de Carvalho, Ronald de Carvalho, Ribeiro Couto, Álvaro Moreyra, Sérgio Milliet, Menotti del Picchia, Afonso Schmidt etc.; Graça Aranha proferiu, no primeiro dia, a conferência “A emoção estética na arte moderna”; Heitor Villa-Lobos apresentou diferentes programas durante os três dias.

Del Picchia, orador da segunda noite, asseverou o seguinte acerca do ideário do grupo modernista: “nossa estética é de reação. Como tal, é guerreira” […] “o rufo de um automóvel […] espante da poesia o último deus homérico, que ficou anacronicamente, a dormir e a sonhar, na era do jazz-band e do cinema, com a frauta dos pastores da Arcádia e os seios divinos de Helena”. De modo significativo, enfatizou que o grupo intentava “uma arte genuinamente brasileira”. Segundo ele, o prestígio do passado “não é de molde a tolher a liberdade da sua maneira de ser futura”. Oswald, articulador e participante ativo, leu passagens inéditas de Os condenados e de A estrela de absinto; Ronald de carvalho fez a afamada declamação de Os sapos, poema de Manuel Bandeira que ridicularizava o Parnasianismo.

A Semana foi ponto de confluência de diversas tendências que, desde a Primeira Guerra Mundial, se consolidava em São Paulo e no Rio de Janeiro, a base que ensejou o estabelecimento de grupos, a publicação de livros, manifestos, periódicos. Em maio, surge a Klaxon, mensário de arte moderna, primeira investida do grupo no sentido de sistematizar convicções. Considerada momento de inflexão e de renovação da mentalidade nacional, a Semana veio intervir em favor da autonomia artística e pretendia introduzir o Brasil no século XX.

Publicidade

Depois de Vinte e Dois

Em 1924, Oswald lança o Manifesto da Poesia Pau Brasil, no Correio da Manhã; segundo Paulo Prado, “a poesia ‘Pau Brasil’ é, entre nós, o primeiro esforço organizado para a libertação do verso brasileiro”, a expectativa é a de que “a poesia ‘Pau Brasil’ extermine de vez […] o mal da eloquência balofa e roçagante”; o manifesto, publicado no mesmo ano em que o Manifesto Surrealista de André Breton, quer validar a contemporaneidade do Brasil relativamente à movimentação das vanguardas europeias, a forma de expressão pós-portuguesa. No manifesto, lê-se: “a língua sem arcaísmos, sem erudição. Natural e neológica. A contribuição milionária de todos os erros. Como falamos. Como somos […] Dividamos: poesia de importação. E a Poesia Pau-Brasil, de exportação”.

Ainda em 24, na companhia de Tarsila do Amaral, poeta francês Blaise Cendrars, Mário de Andrade, Paulo Prado, Goffredo da Silva Telles e René Thiollier, Andrade
empreendeu excursão chamada caravana modernista pelas cidades históricas de Minas Gerais visando a “descoberta do Brasil”. Em 1925, Pau Brasil foi lançado representando a efetivação do prospecto que erigiu o Manifesto da Poesia Pau-Brasil; também em 25, Oswald oficializou o noivado com Tarsila do Amaral.

Em 1928, como presente de aniversário, recebeu de Tarsila um quadro a que decidem chamar Abaporu (aquele que come). Fundou com Raul Bopp e Antônio de Alcântara Machado a Revista de Antropofagia, na qual publicou seu Manifesto Antropófago, mais político e radical se comparado ao Manifesto da Poesia Pau Brasil, cujo ideário revela contiguidade ao de Freud e ao de Karl Marx. Ali, Oswald visa a deglutição crítica das influências: “só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago”.

Em 1929, rompeu com os amigos Mário de Andrade, Paulo Prado e Alcântara Machado. Sofreu os efeitos da queda da bolsa de valores de Nova York. Manteve relacionamento amoroso com Patrícia Galvão, a Pagu, escritora e militante comunista com quem escreveu o diário O romance da época anarquista, ou Livro das horas de Pagu. Em 1930, firmou compromisso de casamento com ela. Em 25 de setembro, nasceu o filho do casal, Rudá Poronominare Galvão de Andrade que veio a tornar-se cineasta e um dos fundadores do Museu da Imagem e do Som de São Paulo. Em 1931, conheceu Luis Carlos Prestes.

Para Alfredo Bosi, crítico e historiador da literatura brasileira, “o período de 23-30 é marcado pela sua [de Oswald] melhor produção propriamente modernista, no romance, na poesia e na divulgação de programas estéticos”. Bosi ainda refere que o intervalo fora “pontuado por viagens à Europa que lhe dão oportunidade para conhecer melhor as vanguardas surrealistas da França. […] Dividido entre uma formação anárquico-boêmia e o espírito de crítica ao capitalismo, […] adere ao Partido Comunista: compõe o romance de auto-sarcasmo (Serafim Ponte Grande 28-33), teatro participante (O rei da vela 37) e lança o jornal Homem do povo”.

Em 1934, Oswald viveu com a pianista Pilar Ferrer. Em 1935, escreveu para o diário A Manhã e para o jornal A plateia. Conheceu, por intermédio de Julieta Guerrini (com quem se casaria no ano seguinte), Claude Lévi-Strauss. Em 1937, participou das atividades da Frente Negra Brasileira e proferiu, no Teatro Municipal, discurso sobre Castro Alves em cerimônia de homenagem ao poeta. Em 1939, partiu com a esposa Julieta para a Suécia onde participou, representando o Brasil, do congresso do Pen (Poets, Essayists and Novelists) Club, evento cancelado devido à guerra.

Deixou de viver com Julieta Guerrini em 1942, mesmo ano em que se apaixonou por Maria Antonieta D’Alkmin. Em 1943, publicou o romance A revolução melancólica, primeiro volume de Marco zero. Em junho, casou-se com Maria. Em 1944, passou a colaborar com o jornal carioca Correio da Manhã. Em 1945, lançou o segundo volume de Marco zero e publicou também as Poesias reunidas. Também rompeu com o partido comunista; recebeu o poeta Pablo Neruda como visita; no mês de novembro, nasceu sua filha Antonieta Marília.

Em 1948, nasceu Paulo Marcos, seu quarto filho. Em 1949, recebeu o escritor francês Albert Camus. Inicia coluna na Folha da Manhã, atual Folha de São Paulo. Em 1950, lançou-se candidato a deputado federal. Em 1953, publicou no caderno Literatura e Arte, de O Estado de S. Paulo, a série “A marcha das utopias”. Faleceu no dia 22 de outubro de 1954 e foi sepultado no cemitério da Consolação.

Oswald e Mário de Andrade

Oswald manteve, a princípio, invulgar amizade com Mário de Andrade. Em 1922, formou com este, Tarsila do Amaral, Anita Malfatti e Menotti del Picchia o chamado “Grupo dos cinco”. Mais tarde, os dois romperiam definitivamente, sendo o período de inimizade mais longo que o de amizade.

É inegável o papel proeminente da dupla na Semana de Arte Moderna. Torna-se impossível a menção ao Modernismo brasileiro sem que se os mencione. A referência a um acarreta, não raro, a referência ao outro. Foi Oswald de Andrade quem descobriu Mário e o apresentou no artigo “O meu poeta futurista” no Jornal do Commercio em 1921. Os escritores já se conheciam, posto que Oswald tivesse sido colega de ginásio de Carlos de Moraes Andrade, irmão de Mário, a despeito de não serem próximos.

As primeiras cartas de desagrado por parte de Mário já datavam de 1923. Em 1924, Mário escreveu a Manuel Bandeira: “longe de mim qualquer ideia de romper com o Oswaldo. Somos bons camaradas”, negativa que, por antecipada, soa agourenta. Entrementes em carta de 1927 dirigida ao mesmo interlocutor, Mário expõe o processo de elaboração do episódio IX de Macunaíma (a “Carta pras Icamiabas”). O interessante é o registro da influência de Oswald sobre sua prosa: “essas são as intenções da carta [pras Icamiabas]. Agora ela me desgosta em dois pontos: parece imitação do Osvaldo [como se referia a Oswald] e decerto os preceitos usados por ele atuaram subconscientemente na criação da carta”.

A situação culminou em 1929. Após uma série de desentendimentos compreendendo aspectos morais, houve o rompimento definitivo entre Mário e Oswald por motivos até hoje não totalmente esclarecidos. Especula-se que seja alguma disputa pela liderança do movimento modernista, além de questões políticas, como as atitudes mordazes de Oswald e suas impiedosas blagues, É provável que um artigo publicado por ele na Revista de Antropofagia, intitulado “Miss Macunaíma”, tenha sido a gota d’água ao aludir grosseiramente à suposta homossexualidade do amigo. Mário confessa, ainda em 1929, em epístola a Tarsila: “quanto a mim, Tarsila, esses assuntos, criados por quem quer que seja (essas pessoas não me interessam), como será possível imaginar que não me tenham ferido crudelissimamente?”

Alguns depoimentos de pessoas próximas a Oswald informam que ele, após várias tentativas frustradas de reconciliação, passou a intensificar seus ataques a Mário. Conta-se ainda que quando soube da morte deste, em 25 de fevereiro de 1945, só lhe restou, a Oswald, o choro convulso. Em 1946, participou do II Congresso Brasileiro de Escritores e prestou homenagem póstuma a Mário.

Características literárias

O projeto literário de Oswald de Andrade absorveu discursos vários, dentre os quais o histórico e o político. Seu meio singular foi a paródia, associada à elaboração inovadora da linguagem. De feição notavelmente experimental e multifacetada, sua obra está atrelada à figura do literato cosmopolita que, em face de uma sociedade em mudança, fez-lhe o exame crítico (não raro satírico), o mais que lhe possibilitou a mentalidade burguesa e sem que lhe impedisse o conflito ético que dela adviesse, galhofando entre a alienação e a rebeldia. Para Alfredo Bosi, “representou com seus altos e baixos a ponta de lança do ‘espírito de 22’ a que ficaria sempre vinculado, tanto nos seus aspectos felizes de vanguardismo literário quanto nos seus momentos menos felizes de gratuidade ideológica”.

A paródia em sua obra revela-se: ademais de expediente formal e temático correspondendo à revolução estética intentada pelo movimento modernista, opera o questionamento do cânone, a aproximação crítica da tradição pondo passado e presente em tensa relação. A partir do recurso paródico a textos históricos e literários em Pau Brasil, por exemplo, Oswald reconta a história e a literatura brasileira da carta de Pero Vaz de Caminha à sua contemporaneidade. Entende-se paródia, aqui, do modo como sugere Haroldo de Campos: não necessariamente no sentido de “imitação burlesca, mas inclusive na sua acepção etimológica de ‘canto paralelo’”.

Outro traço da poética oswaldiana digno de distinção, para além do humor, da ironia e dos cortes sintáticos, é a imoderada síntese. O poeta atravessa com seu estilo sintético o espaço moderno quanto ao passado colonial. Daí a conjunção entre modernismo e primitivismo que, para Bosi, “define a visão do mundo e a poética de Oswald”.

No pseudoprefácio a Memórias sentimentais de João Miramar, Oswald, sob a alcunha de Machado Penumbra e parodiando tom empolado, pontua: “se no meu foro interior, um velho sentimentalismo racial vibra ainda nas doces cordas alexandrinas de Bilac e Vicente de Carvalho, não posso deixar de reconhecer o direito sagrado das inovações, mesmo quando elas ameaçam espedaçar nas suas mãos hercúleas o ouro argamassado pela idade parnasiana […]. Esperamos com calma os frutos dessa nova revolução que nos apresenta pela primeira vez o estilo telegráfico e a metáfora lancinante”.

Haroldo de Campos, na tentativa de caracterizar a poesia de Oswald, afirma: “responde a uma poética da radicalidade. É uma poesia radical”. Trata-se de uma poesia que toma a coisa pela raiz, no caso, a linguagem. A postura de Oswald se afigurou uma guinada de 180 graus ao unir a fala do povo à escrita contribuindo à renovação do quadro literário brasileiro.

Principais obras

Poesia

  • Pau Brasil (1925)

De acordo com Juliana Santini, trata-se de “um percurso histórico-geográfico que contempla, sob o prisma da paródia, desde os cronistas que escreveram sobre o Brasil nos séculos XVI e XVII, até os movimentos agitados da cidade de São Paulo no princípio do século XX. Sob esse aspecto, a incursão pelo passado nacional acaba por se mostrar multifacetada na medida em que se articula não apenas com a visão do presente em relação ao que se fora, mas também com a construção desse passado a partir de uma estética fundamentada em novos traços”.

  • Primeiro caderno do aluno de poesia Oswald de Andrade (1927)
  • Poesias reunidas (1ª edição, 1945)

Prosa

  • A trilogia do exílio, I. Os condenados (1922)
  • Memórias sentimentais de João Miramar (1924)

De acordo com Haroldo de Campos: “as Memórias Sentimentais de João Miramar foram, realmente, o verdadeiro ‘marco zero’ da prosa brasileira contemporânea, no que ela tem de inventivo e criativo (e um marco da poesia nova também, naquela ‘situação limite’ em que a preocupação com a linguagem na prosa aproxima a atitude do romancista da que caracteriza o poeta)”.

  • Serafim Ponte Grande (1933)

Manifestos

  • Manifesto da poesia Pau Brasil (1924)
  • Manifesto antropófago (1928)

Teatro

  • O rei da vela (1937)

Poemas de Oswald de Andrade e outros fragmentos

Como pudemos ver, a obra de Oswald é ampla e não se restringiu a um único gênero. A seguir, poderemos encontrar breve compilação contendo poemas, trechos de seu romance Memórias sentimentais de João Miramar e de sua peça Rei da vela:

Pero Vaz Caminha

a descoberta

Seguimos nosso caminho por este mar de longo
Até a oitava da Paschoa
Topamos aves
E houvemos vista de terra

os selvagens

Mostraram-lhes uma galinha
Quasi haviam medo della
E não queriam pôr a mão
E depois a tomaram como espantados

primeiro chá

Depois de dansarem
Diego Dias
Fez o salto real

as meninas da gare

Eram três ou quatro moças bem moças e bem gentis
Com cabelos mui pretos pelas espadoas
E suas vergonhas tão altas e tão saradinhas
Que de nós as muito bem olharmos
Não tínhamos nenhuma vergonha

(Pau Brasil, 1925 [foi mantida a grafia original])

Pobre alimária

O cavalo e a carroça
Estavam atravancados no trilho
E como o motorneiro se impacientasse
Porque levava os advogados para os escritórios
Desatravancaram o veículo
E o animal disparou
Mas o lesto carroceiro
Trepou na boleia
E castigou o fugitivo atrelado
Com um grandioso chicote

(Pau Brasil, 1925)

O pensieroso

(primeiro episódio de Memórias sentimentais de João Miramar)

Jardim desencanto
O dever e processões com pálios
E cônegos
Lá fora
E um circo vago e sem mistérios
Urbanos apitando nas noites cheias
Mamãe chamava-me e conduzia-me para dentro do oratório de mãos grudadas.
– O anjo do Senhor anunciou à Maria que estava para ser a mãe de Deus.
Vacilava o morrão do azeite bojudo em cima do copo. Um manequim esquecido vermelhava.
– Senhor convosco, bendita sois entre as mulheres, as mulheres não têm pernas, são como o manequim de mamãe até embaixo. Para que pernas nas mulheres, amém.

(Memórias sentimentais de João Miramar, 1924)

Excerto do 1º ato de Rei da vela

ABELARDO I – Não pratica a literatura de ficção?…
PINOTE – No Brasil isso não dá nada!
ABELARDO I – Sim, a de fricção é que rende. É preciso ser assim, meu amigo. Imagine se vocês que escrevem fossem independentes! Seria o dilúvio! A subversão total. O dinheiro só é útil nas mãos dos que não têm talento. Vocês escritores, artistas, precisam ser mantidos pela sociedade na mais dura e permanente miséria! Para servirem como bons lacaios, obedientes e prestimosos. É a vossa função social!

(Rei da vela, 1937)

“Ver com olhos livres”: mais Oswald!

Depois de nos inteirarmos quanto a vida, obra e peculiaridades oswaldianas, é chegada a hora de retomarmos alguns pontos e de elaborarmos outros:

Panorama: vida e obra de Oswald

Há escritores que constroem a própria vida como se fosse uma obra. No vídeo acima, veremos que, para Oswald, faz-se verdade. Com a contribuição valiosa do mestre Antonio Candido, a peça remonta à nona Edição da FLIP (Festa Literária Internacional de Paraty) homenageando o autor com importante panorama da vida e da obra do autor.

Os manifestos

Os manifestos escritos por Oswald revelam-se fundamentais, importante não só ao modernismo, mas também à Literatura brasileira de modo geral. Neste vídeo, vemos cotejamento proveitoso entre o Manifesto da poesia Pau Brasil (1924) e o Manifesto antropófago (1928).

Características da poética Oswaldiana

Um apanhado geral das características mais marcantes do projeto literário oswaldiano.

A Semana de 22

Oswald foi notável articulador da Semana de Arte Moderna de 1922. Neste vídeo, entendemos com um pouco mais de detalhamento sua relevância, motivações e legado.

O trecho “nenhuma fórmula para a contemporânea expressão do mundo. Ver com olhos livres” do Manifesto da poesia Pau Brasil remete a ponto importante do projeto oswaldiano: a autonomia em relação ao cânone, necessária para operar uma renovação, todavia sem que isso implique sua destruição categórica. A rejeição às fórmulas já apresenta o germe do Manifesto Antropofágico: o processo de assimilação crítica de ideias e modelos e a consequente obtenção de um produto genuíno. Para tornar seus estudos mais frutíferos, aprecie o legado de Oswald relativamente à poesia concreta cujos articuladores, em seu manifesto, elegem-no como precursor.

Referências

Amizade em mosaico: a correspondência de Oswald a Mário de Andrade – Gênese Andrade
História concisa da literatura brasileira – Alfredo Bosi
“Só me interessa o que não é meu”: a dimensão paródica do verso oswaldiano em Pau Brasil – Eduardo Borges Ciabotti
Miramar na mira – Haroldo de Campos
Memórias sentimentais de João Miramar – Oswald de Andrade
Pau Brasil – Oswald de Andrade
Poesia Pau Brasil – Paulo Prado
A poiesis pictórica de Pau Brasil: tradição, ruptura e identidade em Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral – Juliana Santini
O rei da vela – Oswald de Andrade
Uma poética da radicalidade – Haroldo de Campos
Uma Leitura do Modernismo: Cartas de Mário de Andrade a Manuel Bandeira – Leandro Garcia Rodrigues

Jefferson Dias
Por Jefferson Dias

Autor dos livros de poesia Último festim (2013), Silenciosa maneira (2015) e Qualquer lugar (2020). Tem poemas, contos, traduções e resenhas publicados em periódicos e portais de literatura do Brasil e de Portugal. Formado em Letras pela Universidade Federal de São Carlos - UFSCar.

Como referenciar este conteúdo

Dias, Jefferson. Oswald de Andrade. Todo Estudo. Disponível em: https://www.todoestudo.com.br/literatura/oswald-de-andrade. Acesso em: 23 de November de 2024.

Exercícios resolvidos

1. [UNESP (2019)]

Leia o poema “Pobre alimária”, de Oswald de Andrade, publicado
originalmente em 1925.

O cavalo e a carroça
Estavam atravancados no trilho
E como o motorneiro se impacientasse
Porque levava os advogados para os escritórios
Desatravancaram o veículo
E o animal disparou
Mas o lesto carroceiro
Trepou na boleia
E castigou o fugitivo atrelado
Com um grandioso chicote
(Pau-Brasil, 1990.)

Considerando o momento de sua produção, o poema
a) celebra a persistência das tradições rurais brasileiras, que inviabilizaram o avanço do processo de industrialização de São Paulo.

b) valoriza a variedade e a eficácia dos meios de transporte, que contribuíam para impulsionar a economia brasileira.

c) critica a recorrência das práticas de exploração e maus tratos aos animais nos principais centros urbanos brasileiros.
d) registra uma rápida cena urbana, que expõe tensões e ambiguidades no processo de modernização da cidade de São Paulo.

e) exemplifica o choque social constante entre as elites enriquecidas e a população pobre da cidade de São Paulo.

Resposta: D.

Deparamos o retrato do conflito entre moderno e arcaico na cidade de São Paulo, nos anos 1920, e a tensão daí advinda – tema caro a Oswald e a outros modernistas, como Mário de Andrade.

2. [UFRGS]

Leia o trecho de Memórias sentimentais de João Miramar, de Oswald de Andrade:

“Mas na limpidez da manhã mendiga cornamusas vieram sob janelas de grandes sobrados. Milão estendia os Alpes imóveis no orvalho.”

No trecho acima, destacam-se alguns procedimentos formais. Assinale com V (Verdadeiro) ou com F (Falso) as afirmações abaixo:

( ) O trecho constitui uma amostra da tentativa do autor de eliminar as diferenças entre prosa e poesia.

( ) A passagem revela facetas do experimentalismo típico do modernismo brasileiro.

( ) A citação denota um forte teor nacionalista, avesso às influências das vanguardas europeias.

( ) O texto apresenta neologismos – uso de termos estrangeiros – que passaram a fazer parte da linguagem poética do modernismo.

( ) O fragmento concretiza uma linguagem telegráfica/sincopada vista como expressão adequada da vida moderna.

A sequência correta de preenchimento dos parênteses, de cima para baixo, é:

a) V – F – V – V – F.

b) F – V – F – V – F.

c) V – F – F – F – V.

d) F – V – V – F – V.

e) V – V – F – F – V.

Resposta: E.

Como pudemos ver, a obra de Oswald se caracteriza, dentre outras coisas, por ser experimental. No trecho em questão, seu estilo telegráfico se faz notar por meio das condensações.
No excerto deparamos, com efeito, o neologismo “cornamusas”; todavia um neologismo não se define pelo “uso de termos estrangeiros” puramente, como pretende a alternativa; consiste, antes, no emprego de palavras novas, derivadas ou formadas de outras já existentes, na mesma língua ou não.

3. [UFAC]

Leia o poema de O. de A.: “Pronominais”

Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro

Marque a alternativa incorreta em relação ao poema modernista:

a) Exaltação do falar coloquial brasileiro.

b) A presença do humor/ironia.

c) A liberdade da métrica.

d) Discriminação racial.

e) Nacionalização da Língua Portuguesa.

Resposta: D

No Manifesto da Poesia Pau Brasil, Oswald apregoa: “a língua sem arcaísmos, sem erudição. Natural e neológica. A contribuição milionária de todos os erros. Como falamos. Como somos”; e mais: “uma única luta – a luta pelo caminho. Dividamos: poesia de importação. E a Poesia Pau-Brasil, de exportação”.
Tais princípios contemplam o que se expõe nas alternativas a) e e), e são mais que suficientes para percebermos que o projeto oswaldiano vai na contramão da discriminação racial – esta, portanto, a alternativa incorreta.

Compartilhe

TOPO