Gregório de Matos foi um poeta do período barroco conhecido, principalmente, pela sua poesia lírica, religiosa e satírica. Foi esta última, porém, que o tornou conhecido como “Boca do Inferno” e o alçou a uma posição de grande prestígio na literatura brasileira. Neste texto, você poderá conhecer um pouco mais sobre Gregório de Matos, sua vida e suas principais obras.
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Biografia: vida e morte do Boca do Inferno
Gregório de Matos Guerra, filho de Gregório de Matos e Maria da Guerra, abastada família da época, nasceu na cidade de Salvador em 1636. Passou pelo Colégio dos Jesuítas, onde estudou Humanidades, e graduou-se em Direito na Universidade de Coimbra. O autor baiano participou ativamente da vida pública: trabalhou como curador de órfãos e como juiz criminal. Foi nesse período que começou a escrever. Após passar parte de sua vida em Portugal, retornou ao Brasil, onde exerceu os cargos de vigário-geral e de tesoureiro-mor. Foi deposto da primeira ocupação, porém.
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Devido à acidez de seus comentários satíricos que não poupavam ninguém, e que lhe conferiram a alcunha de Boca do Inferno, o então governador D. João de Alencastre, exilou-o em Angola. Trabalhou como advogado em Luanda e conseguiu retornar ao Brasil um ano depois. Nesse período, morou em Pernambuco e lá faleceu em 1695. É considerado um dos grandes autores do Barroco brasileiro e foi escolhido como patrono da cadeira n.º 16 da Academia Brasileira de Letras.
Obras e características
Gregório de Matos escreveu uma obra vasta, porém estudiosos tiveram dificuldade em reunir seus poemas, vários deles de autoria duvidosa ou ainda apenas lembrados pela tradição popular. A antologia poética do autor baiano pode ser dividida em três vertentes: a poesia religiosa, a amorosa e a satírica.
Como autor do Barroco, é importante salientar que as características primordiais dessa escola literária estão presentes em sua poética. O uso do cultismo e do conceptismo estão presentes, por exemplo. Abaixo discutiremos um pouco mais sobre cada uma das vertentes do escritor e suas faces mais importantes.
Poesia religiosa ou sacra
Assim como outros poetas barrocos, há presença de uma dicotomia entre a salvação e o mundo terreno na obra de Gregório de Matos. Filho de um senhor do engenho, porém, o autor apresenta uma espécie de licença moral seguida de um senso de arrependimento. Nesse sentido, a poesia gregoriana sustenta-se, na maior parte do tempo, entre o pecado e a necessidade de se redimir perante Deus. O eu lírico ajoelha-se e implora para que seus erros sejam perdoados. Como se pode notar, a poesia religiosa do autor é essencialmente contraditória, fruto do próprio contexto social do Brasil colonial; assim, as principais características são:
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- Dicotomia entre a salvação eterna e o mundo terreno;
- Licença moral e senso de arrependimento;
- Relação entre o ato pecaminoso e a obtenção do perdão divino.
É possível verificar essas características, principalmente a relacionada à súplica pelo perdão, no poema abaixo, “A Jesus Cristo, Nosso Senhor”. Perceba como o eu lírico prostrasse diante da figura divina, mas não somente como um pecador: argumenta sobre a infinita capacidade de perdoar por parte de Cristo e em como é necessário haver o perdão para que a glória divina não chegue a seu fim. Assim, a humildade entra em conflito com a própria presunção do eu lírico.
A Jesus Cristo, Nosso Senhor
Pequei, Senhor; mas não porque hei pecado,
Da vossa alta clemência me despido;
Antes, quanto mais tenho delinquido,
Vos tenho a perdoar mais empenhado.Publicidade
Se basta a vos irar tanto pecado,
A abrandar-vos sobeja um só gemido:
Que a mesma culpa, que vos há ofendido,
Vos tem para o perdão lisonjeado.Se uma ovelha perdida já cobrada,
Glória tal e prazer tão repentino
Vos deu, como afirmais na Sacra História:Eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada,
Cobrai-a; e não queirais, Pastor Divino,
Perder na vossa ovelha a vossa glória.
Poesia amorosa ou lírica
A poesia amorosa ou lírica de Gregório de Matos possui duas vertentes bem definidas. Na primeira, observa-se uma linguagem elevada, elabora sonetos com delicadeza e demonstra ansiedade em relação à possibilidade de rejeição. Na segunda vertente, porém, o poeta baiano possui uma visão sobre o amor mais agressiva; escreve seus poemas como uma forma de subversão aos tabus relacionados ao prazer que vigoravam na época. Assim, as principais características da poética amorosa do escritor são:
- Amor elevado;
- Amor obsceno e satírico;
- Linguagem mais branda em alguns poemas e mais ríspida em outros.
No poema abaixo, podemos verificar a duplicidade da poesia amorosa do autor. Perceba como há o uso de vocábulos que exprimem ideias contrárias ao longo do poema: “anjo” remete à eternidade; “flor”, à brevidade. O poeta, dessa forma, demonstra a amplitude de seu amor em relação à amada.
Anjo no nome, Angélica na cara
Anjo no nome, Angélica na cara!
Isso é ser flor, e Anjo juntamente:
Ser Angélica flor, e Anjo florente,
Em quem, senão em vós, se uniformara:Quem vira uma tal flor, que a não cortara,
De verde pé, da rama fluorescente;
E quem um Anjo vira tão luzente,
Que por seu Deus o não idolatrara?Se pois como Anjo sois dos meus altares,
Fôreis o meu Custódio, e a minha guarda,
Livrara eu de diabólicos azares.Mas vejo, que por bela, e por galharda,
Posto que os Anjos nunca dão pesares,
Sois Anjo, que me tenta, e não me guarda.
Poesia satírica
Apesar de ter produzido muito em suas vertentes religiosa e amorosa, Gregório de Matos ficou conhecido como “Boca do Inferno” na Bahia. Os poemas do autor eram direcionados ao contexto degradante da sociedade baiana da época: criticava desde as imoralidades a pessoas específicas. A sátira e a crítica são sempre contundentes ao atacar a corrupção, as injustiças e a completa inversão de valores. Dessa forma, os aspectos mais grotescos da comunidade baiana são expostos e destrinchados frente à sociedade da época.
- Poemas contundentes e críticos;
- Acentua os problemas da Bahia e seus habitantes;
- Utilizava tabuísmos se fosse necessário;
- Utilização frequente da ironia.
No poema abaixo, perceba como o jogo de perguntas e respostas desmascara os vícios da sociedade baiana da época colonial. Além disso, Gregório de Matos sempre retoma as palavras-chave ao fim de cada bloco temático para deixar ainda mais contundente sua crítica.
Epílogos
Que falta nesta cidade?… Verdade
Que mais por sua desonra?… Honra
Falta mais que se lhe ponha… Vergonha.O demo a viver se exponha,
Por mais que a fama a exalta,
numa cidade, onde falta
Verdade, Honra, Vergonha.Quem a pôs neste socrócio?… Negócio
Quem causa tal perdição?… Ambição
E o maior desta loucura?… Usura.Notável desventura
de um povo néscio, e sandeu,
que não sabe, que o perdeu
Negócio, Ambição, Usura.
[…]
A partir dos exemplos apresentados, é possível averiguar que a poesia de Gregório de Matos era ampla em temáticas. Se era conhecido por “Boca do Inferno” devido à acidez de sua poesia satírica, também escreveu poemas amorosos e religiosos. Sem dúvida, é um dos grandes poetas da língua portuguesa.
Aprenda mais sobre Gregório de Matos
Após conhecer um pouco mais sobre cada vertente poética de Gregório de Matos, é hora de revisar um pouquinho mais sobre quem foi o autor, a escola literária que participou e mais alguns poemas que escreveu.
Como ocorreu o Barroco no Brasil?
Antes de estudar sobre o poeta popularmente conhecido como “Boca do Inferno”, é importante revisitar as características do Barroco e seu contexto histórico-cultural. Para isso, veja o vídeo e esclareça as dúvidas que você ainda possa ter sobre o assunto. Assim, o estudo dos poemas do autor baiano tornar-se-á mais eficaz.
Quem foi Gregório de Matos?
Conhecer um pouco mais sobre a vida de um autor é sempre importante para se aprofundar no estudo de determinada obra. No vídeo acima, você poderá acompanhar um breve resumo sobre quem foi Gregório de Matos, as características gerais de sua poesia e o contexto em que estava inserido.
Poemas selecionados de Gregório de Matos
Após estudar um pouco mais sobre o contexto de produção e a vida do autor, é essencial mergulhar na obra do poeta. Nesse sentido, aqui você poderá ver uma seleção de poemas e uma breve análise de cada um deles para sedimentar um pouco mais seu conhecimento sobre Gregório de Matos.
Gregório de Matos, portanto, foi o maior representante do barroco no Brasil. Apesar da dificuldade de catalogar todos os seus poemas e determinar com precisão todas as fontes, o autor deixou uma antologia robusta em temas do Brasil colonial, principalmente no que se refere à poesia satírica.
Referências
Curso de literatura brasileira – Sergius Gonzaga;
Gregório de Matos – Academia Brasileira de Letras.
Por Leonardo Ferrari
Graduado em Letras pela Universidade Estadual de Maringá. É professor assistente em colégio de ensino médio. Nas horas livres, dedica-se à família, aos amigos, à sétima arte e à leitura.
Ferrari, Leonardo. Gregório de Matos. Todo Estudo. Disponível em: https://www.todoestudo.com.br/literatura/gregorio-de-matos. Acesso em: 21 de November de 2024.
1. [Cefet/MG]
Das alternativas a seguir, apenas uma não apresenta características da obra do poeta Gregório de Matos. Assinale-a.
a) Sentido vivo de pecado aliado à busca do perdão e da pureza espiritual.
b) Poesia com força crítica poderosa, pessoal e social, chegando à irreverência e à obscenidade.
c) Destaca a beleza física da amada e sua transitoriedade.
d) Realça a beleza da flora, fauna e da paisagem brasileiras, em manifestação nativista.
e) Tentativa de conciliar elementos contraditórios; busca da unidade sobre a diversidade.
Correta: d.
Justificativa: Gregório de matos escreveu sobre várias temáticas; o enaltecimento da flora e fauna brasileira, porém, não estava entre elas.
2. [UFRGS]
Sobre a poesia de Gregório de Matos Guerra, é possível afirmar que:
a) privilegia os cenários bucólicos percorridos por pastores e ninfas, examinados de uma perspectiva satírica e irônica.
b) expõe em sintaxe simples o caráter sereno e amoroso de um pastor que corteja sua amada com promessas de vida amena e burocrática.
c) expõe em sintaxe complexa e com metáforas antiéticas os dilemas do amor e do espírito no quadro da Contrarreforma.
d) privilegia o cenário urbano para denunciar as arbitrariedades da Inquisição e o racismo dos portugueses instalados na colônia.
e) privilegia os cenários palacianos em que ocorrem intrigas e conspirações envolvendo nobres burocratas, monges e prostitutas.
Correta: c.
Justificativa: A poesia amorosa e religiosa de Gregório de Matos possuía sempre uma dicotomia entre o elevado e o terreno. O autor também utilizava diversos recursos estilísticos complexos para elaborar seus poemas.