Aculturação

A aculturação remete ao fenômeno das inter-relações culturais. O interesse pelo processo da aculturação cresceu significativamente com a globalização.

De modo geral, a aculturação diz respeito ao processo em que duas culturas se encontram e, como resultado, uma ou ambas passam a se transformar ou ser modificada. Esse é o nome dado a um dos aspectos da dinâmica de como as culturas funcionam.

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O interesse pelo processo de aculturação cresceu com o desenvolvimento da globalização. Afinal, é nesse momento que o contato entre sociedades distantes e separadas fica cada vez mais frequente e inevitável. Entretanto, como todo conceito nas ciências sociais, a aculturação é um termo já criticado e revisado em diversos trabalhos.

Significado e tipos de aculturação

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Melville Jean Herskovitz (1895-1963), norte-americano, foi um dos primeiros antropólogos a utilizar sistematicamente o conceito de aculturação. Ele era um antropólogo culturalista. Isso significa, dentre outras coisas, que ele partia do pressuposto de que as culturas humanas são diversas e cada uma possui a sua singularidade.

Quando ocorre uma aculturação, uma cultura absorve externamente os elementos culturais de um outro grupo, encaixando-os e acomodando-os em seus próprios padrões. Herskovitz chegou a criar uma “escala de aculturação” para classificar o quanto um grupo havia absorvido a cultura externa e preservado a sua original.

Outro autor que foi importante no desenvolvimento do conceito foi Roger Bastide, um pesquisador francês que foi professor na Universidade de São Paulo, no Brasil. Foi influenciado pelas ideias de Gilberto Freyre de que a mestiçagem é o fator determinante na identidade brasileira e de Nina Rodrigues sobre o sincretismo.

Bastide criticava o trabalho de Herskovits, alegando que o autor deixava faltar aspectos sociológicos em sua pesquisa. Apesar disso, Bastide parece ter sido influenciado também por Herskovits, pois também argumenta a favor de graus diferentes de aculturação em algumas culturas.

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No entanto, essa noção de aculturação não está livre de problemas. Essa ideia está baseada na concepção de “cultura” como um conjunto de traços que podem ser perdidos ou obtidos.

De outro lado, a “cultura” também pode ser entendida como unidade fechada, equivalente aos limites de um grupo. É como se as culturas fossem sistemas fechados que se “encontram” apenas quando há forças políticas e geográficas maiores.

Além disso, a aculturação pode mascarar as relações de poder envolvidas entre as “culturas” e também não considerar honestamente as possibilidades de resistência, inventividade e criatividade da cultura dominada.

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Uma vez que surgiram, na antropologia, noções menos fechadas desses processos (por exemplo: hibridismo, culturas de fronteiras, Terceiras Culturas), o conceito de aculturação acabou sendo esquecido no tempo. Entretanto, há atualmente pesquisas que retomam a teoria da aculturação na história da antropologia e mostram sua importância.

Tipos de aculturação

Já que as culturas são diversas, os processos pelos quais ocorre uma aculturação podem também se dar de formas diferentes. É possível elencar pelo menos duas formas de aculturação em relação ao aspecto mais explícito de uma colonização ou de violência.

  • Direta: na aculturação direta, existe a presença justamente de um agente de colonização que, violentamente, impõe sua cultura a uma outra. Nessa classificação, entra o critério de uma coerção explícita.
  • Indireta: nesse tipo de aculturação, não há explicitamente uma imposição cultural violenta. Ela se daria de uma maneira mais sutil, como em propagandas na mídia, afetando os modos de viver das pessoas. Isso não elimina, de fato, o caráter de violência, se considerarmos conceitos mais contemporâneos como de violência simbólica.

Essa é apenas uma das formas em que é possível tipificar o processo de aculturação. O próprio conceito, como foi discutido, têm suscitado diversas críticas e reformulações.

Exemplos de aculturação

Talvez um dos exemplos mais tradicionais desse fenômeno seja a aculturação indígena. Nesse cenário, há uma cultura indígena, separada dos povos ocidentais. Com a colonização e a dominação do ocidente, essas sociedades indígenas passam a ser obrigadas a incluir em seus modos de viver elementos ocidentais, que originalmente não eram seus.

Isso poderia ser observado em indígenas utilizando o celular, assistindo à televisão e frequentando universidades. Entretanto, essa concepção de aculturação por parte das culturas indígenas é bastante problemática.

Pensar que pessoas indígenas estão perdendo sua cultura para dar lugar aos elementos culturais do Ocidente implica em considerá-las como passivas, ou que a sociedade ocidental sempre será mais forte nesse processo de aculturação. Isso não é verdade.

Ao contrário, os elementos culturais indígenas não se perdem. O que ocorre é uma reconstituição ou uma transformação nas identidades possíveis de pessoas indígenas. Isso significa que indígenas não são “aculturados” pelo Ocidente, mas que eles inovam, constroem, intercambiam elementos culturais para permitir sua sobrevivência.

Antropólogos como Roberto Cardoso de Oliveira perceberam esse e outros aspectos não-simplistas das culturas indígenas, e ele propôs, por exemplo, o termo “fricção interétnica”. Desde então, essa questão tem sido bem mais desenvolvida na antropologia brasileira.

Outro exemplo é o estudado pelo próprio Herskovits: as culturas de matriz africana no EUA. Um autor criticado por Herskovits foi Frazier. Ele afirmava que os escravos descendentes de africanos sofriam de uma profunda alienação cultural, porque conviviam muito com os brancos e acabaram perdendo de seu modo de vida qualquer elemento de sua origem.

Para Herskovits, no entanto, havia uma “gramática cultural africana” que era fundamental para os descendentes africanos. Assim, mesmo que houvesse um grau de aculturação, permanecia profundamente elementos culturais africanos nos modos de vida dessas pessoas.

Globalização e aculturação

A globalização diz respeito à revolução tecnológica da informação que “diminuiu o mundo”, ou seja, tornou possível a comunicação entre locais longínquos geograficamente. Diversos adventos, como a Internet, permitiram que a globalização se desenvolvesse cada vez mais no planeta, tornando o mundo um verdadeiro fluxo de informações.

Isso quer dizer que a noção anterior de culturas como unidades fechadas e identificáveis com o limite de seu grupo não consegue se sustentar atualmente. Informações sobre elementos culturais de diversas localidades estão a todo momento “acessíveis”, mesmo que elas tenham uma origem distante do sujeito que pesquisa a respeito.

Assim, uma das preocupações recorrentes de alguns autores foi com a “aculturação” de algumas sociedades pelo fluxo de informações do Ocidente. Culturas não-ocidentais estariam perdendo suas origens e seus modos de vida próprios, que poderiam ser considerados “em ameaça”.

Entretanto, a antropologia contemporânea tem saído dessa abordagem e se preocupado mais com as transformações decorrentes dessa globalização, e não com supostas extinções culturais.

As pessoas não estariam, portanto, perdendo suas identidades culturais e se tornando “globalizadas”. Essas culturas estão em transformação, e a antropologia teria o objetivo de pesquisar e produzir reflexões a respeito dessas mudanças no mundo moderno.

Aculturação, endoculturação e assimilação

A aculturação, como é possível notar, diz respeito a um processo que afeta toda uma cultura; ou seja, não se trata de um fenômeno individual ou pessoal. Ao contrário, a endoculturação diz respeito a esse campo do indivíduo.

Assim, a endoculturação é o processo de desenvolvimento de um indivíduo em uma sociedade, no qual ele incorpora, pouco a pouco, os elementos de sua cultura. A linguagem, os rituais, os símbolos, a religião, enfim, todos os aspectos que identificam uma pessoa como pertencente àquela cultura levam um tempo de incorporação. Essa é a endoculturação.

Por sua vez, a assimilação cultural é próxima da definição de aculturação indireta porque leva em conta uma influência sem uma dominação explícita. Ou, de outro modo, ocorre uma violência simbólica. A assimilação pode ocorrer mesmo em cultura dominada, que precisa incorporar os elementos da cultura dominante para sobreviver nessa relação de poder.

Referências

“The past is a foreign country”? Acculturation theory and the anthropology of globalization – João Leal

Implicações atuais do debate entre Herskovits e Frazier sobre os africanismos – Alexandre Almeida Marcussi

Melville J. Herskovits (1895-1963) e a antropologia do Caribe – entrevista com Kevin A. Yelvington

Culturas em transformação: os índios e a civilização – Clarice Cohn

Aculturação, impactos culturais, processos de hibridação: uma revisão conceitual dos estudos antropológicos do turismo – Rafael José dos Santos; Margarita Barretto

Mateus Oka
Por Mateus Oka

Mestre em Antropologia Social pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Cientista social pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Realiza pesquisas na área da antropologia da ciência.

Como referenciar este conteúdo

Oka, Mateus. Aculturação. Todo Estudo. Disponível em: https://www.todoestudo.com.br/sociologia/aculturacao. Acesso em: 22 de November de 2024.

Exercícios resolvidos

1. [ENEM]

Os textos referem-se à integração do índio à chamada civilização brasileira.
I. “Mais uma vez, nós, os povos indígenas, somos vítimas de um pensamento que separa e que tenta nos eliminar cultural, social e até fisicamente. A justificativa é a de que somos apenas 250 mil pessoas e o Brasil não pode suportar esse ônus.(…) É preciso congelar essas idéias colonizadoras, porque elas são irreais e hipócritas e também genocidas.(…) Nós, índios, queremos falar, mas queremos ser escutados na nossa língua, nos nossos costumes.” Marcos Terena, presidente do Comitê Intertribal Articulador dos Direitos Indígenas na ONU e fundador das Nações Indígenas, Folha de S. Paulo, 31 de agosto de 1994.
II. “O Brasil não terá índios no final do século XXI (…) E por que isso? Pela razão muito simples que consiste no fato de o índio brasileiro não ser distinto das demais comunidades primitivas que existiram no mundo. A história não é outra coisa senão um processo civilizatório, que conduz o homem, por conta própria ou por difusão da cultura, a passar do paleolítico ao neolítico e do neolítico a um estágio civilizatório.” Hélio Jaguaribe, cientista político, Folha de S. Paulo, 2 de setembro de 1994.

Pode-se afirmar, segundo os textos, que
a) Tanto Terena quanto Jaguaribe propõem idéias inadequadas, pois o primeiro deseja a aculturação feita pela “civilização branca”, e o segundo, o confinamento de tribos.
b) Terena quer transformar o Brasil numa terra só de índios, pois pretende mudar até mesmo a língua do país, enquanto a idéia de Jaguaribe é anticonstitucional, pois fere o direito à identidade cultural dos índios.
c) Terena compreende que a melhor solução é que os brancos aprendam a língua tupi para entender melhor o que dizem os índios. Jaguaribe é de opinião que, até o final do século XXI, seja feita uma limpeza étnica no Brasil.
d) Terena defende que a sociedade brasileira deve respeitar a cultura dos índios e Jaguaribe acredita na inevitabilidade do processo de aculturação dos índios e de sua incorporação à sociedade brasileira.
e) Terena propõe que a integração indígena deve ser lenta, gradativa e progressiva, e Jaguaribe propõe que essa integração resulte de decisão autônoma das comunidades indígenas.

Resposta: D
Justificativa: Marcos Terena é um importante ativista pelo movimento indígena, e defende o respeito pela sua cultura e o direito de existir. É preciso jogar um olhar crítico à fala de Jaguaribe, que é etnocêntrica. Ele atesta uma inevitabilidade do processo de aculturação, partindo do pressuposto de que a cultura ocidental (sinônimo de civilização) irá dominar qualquer outra cultura, que ele considera “ultrapassada” na história da humanidade. Esse tipo de posicionamento já é ultrapassado e criticado nos estudos em antropologia social na atualidade.

2. [FAUEL]

O termo aculturação é criado por volta de 1880 pelo antropólogo americano J.W Powell que o utilizava para denominar a transformação dos modos de vida e de pensamento dos imigrantes ao contato com a sociedade americana. Nos anos 1930 houve um aprofundamento teórico do conceito e muitas críticas acabaram por revelar a fragilidade de pensar uma sociedade como aculturada e outra não. Dentre as seguintes opções, assinale a alternativa que NÃO representa um problema do conceito:

A. A ideia de aculturação pressupõe que a situação de contato opera como pura e simples conversão de uma cultura à outra, reificando a cultura e desconhecendo sua dinamicidade.

B. A aculturação é um processo normal na vida das sociedades.

C. A ideia de aculturação muitas vezes não relativiza a dicotomia natureza e cultura, como se a cultura pudesse ser tomada como uma “segunda natureza” do indivíduo, da qual ele tem poucas chances de escapar.

D. Grande parte das análises propostas por estudos de aculturação se concentraram sobre “traços’ culturais tomados isoladamente, esquecendo-se de pensar a cultura como um todo, como sistema.

Resposta: B
Justificativa: conforme a concepção de aculturação dada por J.W. Powell, a aculturação não é um processo normal ou regular na vida de qualquer grupo. Isso porque o autor utiliza o conceito, conforme a questão, em relação ao contato com a sociedade norte-americana apenas.

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